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No dia anterior, no boletim meteorológico, tinham alertado para instabilidade no tempo. Como este se mantinha persistentemente chuvoso, já há muito tempo, julguei que a instabilidade seria a oscilação entre precipitação extrema  e o dilúvio.

No dia seguinte, domingo, sem perder tempo a olhar cá para fora, visto-me convenientemente para sair, com impermeável, galochas, óculos da piscina e três sacos de areia amarrados à cintura, que teriam a função de âncora para não ser levado por uma enxurrada.

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Ao primeiro passo fora de casa, sou quase cegado por raios de sol e de imediato começo a transpirar…afinal a instabilidade, era sinal que estaria bom tempo nesse dia.

Independentemente das condições meteorológicas, a intenção para esse dia era visitar duas pessoas, que não via há bastante tempo…O Sr. José e a Dona Arnaldina, já entradotes, na casa dos oitenta. O sol e a temperatura agradável, davam-me outro brilho e seguravam-me um sorriso, algo que esperava ver, também, nos meus amigos!

A viagem não é longa, seria feita por uma estrada interior entre a Trofa e São Mamede do Coronado, que mesmo ao domingo, apresenta trânsito quase nulo. Por entre montesinhos, valesinhos e o bom tempo, a viagem decorreu em ritmo turístico: vidro para baixo, braço de fora, música dois decibéis acima do que é normal, velocidade a uns saudáveis 34 km/h,..e apreciava a natureza!

Natureza que reflectia ela própria a instabilidade do tempo com o sol inesperado, manifestando comportamentos estranhos. Um pássaro a bicar um tijolo, um coelho a lamber um gato, o Sr. Manuel, com fama de macho, a apalpar o traseiro ao Quim, um cão a roçar-se a um espantalho e meia dúzia de carros, atrás de mim, a buzinarem, que nem tolinhos!
Ainda nessa tarde cheguei a São Mamede do Coronado. Estaciono e encontro o Sr. José, sentado à entrada da casa do filho.

  • Boa tarde Sr. José!
    Ao ouvir a minha voz, levanta a cabeça, e como pessoa sensível que é, chora…quem diria, com uma simples visita!
    A vida dura que sempre levou, secou-lhe as lágrimas, e só quem o conhece bem, sabe que ele chora com a voz e a boca tremida…e assim foi quando me disse:
    – Olá, Zé! – partilhamos o mesmo nome.

    Ficamos a conversar, eu mais a ouvir, e fiquei a saber dos desmaios ocasionais do Sr. José.
    A mulher, a dona Arnaldina, estava em casa, três portas acima. Fui lá.

    Bato à porta, depois de a ter aberto, e já com parte do corpo na entrada da casa, chamo: – Dona  Arnaldiiinaaa!
    Sem nenhum sinal de vida, mas com o barulho da televisão ligada, invadi a casa mais um pouco e volto a chamar: – Dona Arnaldiiina!
  • Quem é? – ouço-a a perguntar.
    A voz vinha de um anexo, para onde avanço, enquanto respondo – Sou eu, o Zé!
    Esta minha apresentação deixou a dona Arnaldina baralhada, até me ver, visto que o marido é “Zé”, um filho é “Manel”, um genro é “Zé” e dois netos são “Zés”.
  • Ah, és tu, Zé! – E sorriu com o rosto.
    O anexo é pequeno, onde cabe a cama e uma cómoda, todas trabalhadas e gastas, conferindo-lhes a antiguidade que têm, duas cadeiras, uma janela, um quadro do menino da lágrima, muita roupa amontoada, uma imagem da Nossa Senhora e uma televisão sintonizada na TVI, passando música…da pimba!
    Depois de lhe dar dois beijinhos, sento-me numa das duas cadeiras e pergunto:
  • Tudo bem?
  • Não, Zé! – responde de forma arrastada, continuando – São os joelhos, não me dão sossego. Para andar pela casa vou-me agarrando às coisas.
    Sempre conheci aquela casa assim, cheia de móveis, com pouco espaço para circular. Se em tempos era sinal de falta de gosto na decoração, agora, na velhice, é um bem para a segurança.
  • Ontem ia caindo, mas agarrei-me ao sofá. Mas não é só dos joelhos, a cabeça também não ajuda. Na semana passada fui ao hospital fazer um “taco”, para ver como é que ando, entretanto o médico disse-me para tomar chá de “caramila”!
  • Chá de…? – pergunto, pensando que não ouvi bem
  • Chá de “caramila”. – Responde-me, parando um pouco enquanto se fixava na televisão e continua – Esta rapariga é que é jeitosa e canta muito bem!
    (Não podia estar mais em desacordo)
  • O tio Zé (é assim que dona Arnaldina, trata o marido) é que anda mal! Durante o dia vai para o centro de dia (parece-me coerente), e não gosta, depois vem para casa…e não gosta! Depois anda-me a desmaiar! Ontem desmaiou-me ao jantar. Por acaso já tinha comido, senão era comida para o lixo e na quarta-feira, desmaiou e não acordava. Telefonei ao Fernando, mas depois ele saiu do desmaio…
  • Poça! E depois?
  • Depois o Fernando chegou. O tio Zé ficou sem fome e…o Fernando comeu o jantar, senão era comida para o lixo! …Eu é que gosto destes apresentadores!
    (Não podia estar mais em desacordo e pensava no Sr. José, sozinho, sentado à porta da casa do filho)
    E tu! Como é que andas? – Pergunta-me.

    Eu achava que estava bem, mas depois deste relato achei-me fantasticamente bem!
  • Olhe não toca só aos mais velhos! Na semana passada, tive uma ruptura muscular na coxa e nesse mesmo dia, à noite, dei um jeito às costas. – depois de uma pausa, prossigo – tem-me doído muito a cabeça!
  • Toma um chá de “caramila”. – sugere a dona Arnaldina.

    A conversa prosseguiu de desgraça em desgraça e saí já tarde de São Mamede de Coronado, obrigado-me a dar 50 km/hora nas rectas. A chegar à Trofa, a menina do rádio anunciava estabilidade do tempo para o dia seguinte, com chuva forte, por vezes acompanhada de granizo.
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