Edição 461
Uma trofense no Canadá
“Como é que se pode esperar inovação, se os trofenses se mantêm estagnados?”
Ana Araújo tem 27 anos e há cinco mudou-se para Montreal, no Canadá, para não ter que “arranjar cunhas” para conseguir emprego em Portugal.
Se tem conta no Facebook é bem provável que já tenha experimentado um jogo, como o FarmVille ou Candy Crush Saga. Essas aplicações têm uma ligação com a Trofa, uma vez que Ana Araújo, natural de S. Martinho de Bougado, trabalhou como tradutora na empresa Zinga (proprietária desses videojogos), quando se mudou de malas e bagagens para Montreal, Canadá.
Foi há cinco anos, numa viagem de férias que acabou por ser o ponto de partida para um novo desafio pessoal e profissional, que Ana resolveu ficar na terra natal da mãe. “Foi na mesma altura que a crise económica começou a ficar mesmo má, por isso em vez de ter de arranjar cunhas como muitos amigos, decidi começar do zero”, contou, através de uma conversa com o NT através do Facebook.
Com o sangue da família Araújo – das Galerias – a correr-lhe nas veias, Ana, que sempre teve dupla nacionalidade, adaptou-se a uma vida “completamente diferente”. Desde criança habituada a viver na Trofa – uma cidade “pequenina” onde toda a gente a conhecia – e sem nunca ter de procurar emprego e pagar as próprias contas, acabou por crescer. “Estava tão entusiasmada de começar a ‘brincar aos crescidos que acabei por me tornar uma mulher adulta nos entretantos”, contou.
Instalar-se não foi difícil. Através do site Craiglist (do género do OLX) arranjou um quarto por 500 dólares canadenses, num “casarão antigo a cair de podre” e partilhou casa com mais três pessoas, todas de países diferentes. A integração foi “normal”, uma vez que Montreal “é uma cidade multicultural” e “a maior parte” dos amigos são “da primeira ou segunda gerações de imigrantes”.
Estudou na Universidade Concordia e arranjou emprego. O processo de recrutamento é muito menos limitativo que em Portugal: “Ninguém pergunta a idade, se tem filhos ou se é casada, desde que a pessoa queira e saiba fazer o trabalho dão uma oportunidade”.
Começou por ser tradutora na empresa de videojogos, também foi escritora freelancer e desde há dois anos trabalha no MindGeek, uma companhia líder no mercado, na qual é copywriter, escrevendo notas de imprensa e desenvolvendo sites.
Não tem horário definido, apenas o limite de 40 horas de trabalho obrigatório por semana. Ganha mais do que a mãe, há 30 anos professora em Portugal. “Isso é muito injusto. Aqui, o salário mínimo é quase o que ganha uma enfermeira em Portugal”, explica.
“Os governos de Bernardino e de Joana não me fizeram querer ficar”
Desde que está no Canadá, Ana Araújo visitou a Trofa três vezes. Apesar de não se sentir habilitada para dar uma “opinião justa” sobre o desenvolvimento do concelho nos últimos anos, é perentória a afirmar que “nem os governos de Bernardino (Vasconcelos) nem de Joana Lima” a fizeram querer ficar.
Tem “imensas saudades” da família, principalmente do irmão, mas não consegue regressar “com a frequência que gostava”. “Eu vou ser sempre trofense e a Trofa vai ser sempre a minha casa. As minhas melhores memórias são as da infância e juventude a ir a pé ao S. Gonçalo, as vacas de fogo das festas da Nossa Senhora das Dores, as tardes passadas a tagarelar com as funcionárias das Galerias Araújo. Aliás, se o meu pai e os meus tios precisassem de mim para fazer parte do negócio da família, deixava tudo para voltar. Não era só o meu dever como terceira geração de Araújo, mas eu adorava ter a oportunidade de retribuir à Trofa tudo que ela me deu”, admite. Por isso, considera que “são essas as pessoas que deviam aparecer nos jornais”, porque “fazer as malas e sair para melhores pastagens é fácil, difícil é ficar e lutar pela própria”.
“Nepotismo e pessoal a andar com o Mercedes do pai não falta”
Sobre os jovens da Trofa, Ana sugere que “saiam da Trofa, nem que seja por um ano”. “O que a Trofa tem a mais são meninos do papá que nunca saíram debaixo da asa e não conhecem o mundo. Não estou a falar de viajar, mas sim a referir-me ao ‘mundo real’, pagar as contas, arranjar trabalho sozinho, ter novas experiências. Nepotismo e pessoal a andar com o Mercedes do pai não falta. Boas ideias e espírito inovador são mais raros. Como é que se pode esperar inovação para a Trofa, se os trofenses se mantêm estagnados?”, questionou.
Com 27 anos, Ana Araújo não tem ambições de momento e prefere ver o que a vida lhe reserva. E desengane-se se pensa que esta trofense tem “hobbies fantásticos” e “uma vida supersofisticada e cosmopolita”. “Trabalho durante o dia, à noite escrevo e de sexta à noite a segunda de manhã uso o mesmo pijama”, contou, acompanhando a frase com o “LOL” (gargalhadas).
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