Edição 731
Uma trofense com a Europa nas veias
Os assuntos europeus correm nas veias de uma trofense. Andreia Aguiar é da Trofa, mais concretamente S. Martinho de Bougado, e viveu uma experiência de que poucos, por estas bandas, se podem orgulhar: trabalhou no Parlamento Europeu, primeiro como estagiária e, depois, como assessora de um eurodeputado. Atualmente, é uma das responsáveis pela organização da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, que decorre de janeiro a junho do próximo ano.
As viagens de estudo são, muitas vezes, encaradas pelos alunos como um escape às aulas e uma oportunidade de diversão com os amigos, mas podem ser ponto de partida para uma carreira profissional. Que o diga Andreia Aguiar, jovem de Finzes que, no 9.º ano, depois de uma viagem a Bruxelas e, mais concretamente à Comissão Europeia e ao Conselho da União Europeia, descobriu a sua vocação. “Depois daquele dia, disse aos meus amigos que ia trabalhar ali”, contou, em entrevista ao NT.
O caminho para esse objetivo começou, desde logo, a ser trilhado. Escolheu a área das Humanidades e licenciou-se em Relações Internacionais, pela Universidade do Minho, tendo concluído uma pós-graduação em Política da União Europeia.
À suficiente teoria faltava a prática e, por conseguinte, “a falta de oportunidades em Portugal”. Andreia começou a explorar novos terrenos e, numa conferência, conheceu uma docente da Universidade Colégio da Europa, que a desafiou a candidatar-se a um mestrado nessa instituição. Primeiro desafio: “A candidatura tinha de ser aprovada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros”. Segundo desafio: “A entrada era feita por cotas nacionais e a de Portugal era de quatro ou cinco estudantes”.
Perante a possibilidade de continuar a fazer o mestrado ou aventurar-se na candidatura, Andreia Aguiar acabou por… seguir o coração. “Fui à entrevista, em Lisboa, e tive sete pessoas a entrevistar-me, em inglês e em francês. No final da entrevista, estava em pânico, porque não tinha bem a noção do que tinha acontecido, mas deve ter corrido bem, porque o chefe da delegação da Universidade disse-me que tinha de melhorar o francês, porque iria precisar”, recorda.
Em setembro de 2016, Andreia Aguiar e os outros quatro colegas lisboetas, partiram rumo a Bruges, Bélgica, para um ano de mestrado que lhe “mudou”, decisivamente, a vida.
Depois de meses “muito difíceis”, a cumprir mestrado num sistema bilingue (inglês e francês), Andreia conseguiu passar a todas as disciplinas e, na cerimónia de final de ano, com o pai presente, foi surpreendida com a distinção da universidade por ter “uma das melhores teses escritas sobre a União Europeia”.
A oportunidade
O regresso a Portugal foi célere, já que, ainda a gozar as férias de verão, foi convidada para fazer estágio no Parlamento Europeu. “Em outubro de 2017, voltei para Bruxelas, para estagiar na unidade de comunicação e estratégia. Trabalhei num projeto, que se chama “What Europe does for me” (O que a Europa faz por mim?), associado às eleições europeias de 2019, que tinha um site em que se podiam ver os projetos que eram financiados pela UE. O objetivo era alertar as pessoas para o impacto que a UE tem no nosso país e sobre o qual não temos noção”, explicou.
Durante a tarefa de divulgar o projeto junto dos eurodeputados portugueses, a jovem trofense conheceu aquele que lhe viria garantir mais um passo na progressão profissional, o então eurodeputado José Inácio Faria, do Partido da Terra. “No final do estágio, andava pelo Parlamento Europeu a apresentar o projeto aos eurodeputados, para que eles divulgassem junto da comunidade, ele ouviu o meu sotaque e disse ‘a menina é do Norte’. Quer queiramos, quer não, este meio acaba por ser dominado por pessoas que têm mais facilidade de acesso às oportunidades, ou seja, que são, maioritariamente, de Lisboa”, relatou.
Ao saber que Andreia terminava, em breve, o estágio, propôs-lhe trabalho no gabinete. Aceitou. “As coisas acontecem assim. Não vale a pena mandarmos currículos, temos de estar lá. Eu tive muita sorte, porque, apesar de ter trilhado um caminho muito trabalhoso e de me ter esforçado muito, encontrei-o no gabinete e calhou de ele ter notado o meu sotaque. Se ele, por acaso, não estivesse no gabinete naquele momento, eu não tinha trabalhado lá no ano seguinte”.
Em abril de 2018, iniciou um curto período de estágio, já que José Inácio Faria reconheceu, rapidamente, muitos atributos à jovem da Trofa. Como considera que “fazia trabalho de uma assessora”, promoveu-a a esse cargo, que exerceu até às eleições europeias de maio de 2019.
Da experiência que acumulou no trabalho com o eurodeputado, Andreia Aguiar percebeu que, “das coisas mais difíceis” deste tipo de trabalho tem a ver com o “ego dos políticos” e com a constatação de que o peso dos partidos pode deitar por terra propostas “interessantes”. “Os outros partidos veem o nome de um partido pequeno, já não querem saber da proposta. E, quase à partida, já se sabe que não vai passar. Isso é o mais difícil, saber que estamos a trabalhar numa coisa boa, mas que não passa por causa do partido que está atrás”.
No tratamento institucional, as diferenças entre deputados portugueses e estrangeiros “são muitas”. Ao vício dos títulos, aos quais os eurodeputados estrangeiros “não ligam”, juntava-se a dificuldade de chegar até aos protagonistas. “Sempre troquei emails com assessores portugueses, com deputados britânicos, irlandeses ou espanhóis, trocava emails diretamente com eles, porque não tinham aquele complexo de serem eles próprios a responder”, contou.
O “reencontro” com a Europa
No final do mandato de José Inácio Faria, Andreia Aguiar tinha a opção de ficar por Bruxelas e tentar a sorte com outro eurodeputado português, mas decidiu regressar a Portugal. Para esta decisão pesou muito a exigência de uma função como a que exerceu. Era um trabalho que começava “às 8h30”, mas não tinha hora de acabar. “Uma vez por mês, os eurodeputados vão a Estrasburgo e têm a sessão de plenário. Aí, eu tinha de estar às 7h00 e, às vezes saía à meia-noite ou uma da manhã, para, no dia seguinte, estar lá, novamente, 7h00. Parece que não, mas ao final de um tempo, a pessoa começa a sentir este peso de trabalhar tantas horas e sem tempo para comer em condições”.
Além disso, as condições meteorológicas de Bruxelas também não eram convidativas para uma portuguesa habituada a dias com céu limpo e ensolarado.
Voltou para Portugal e para a Universidade do Minho, para fazer doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais.
O objetivo era assentar como professora universitária, mas os assuntos europeus parecem correr nas veias desta trofense: este ano, abraçou um novo desafio profissional e ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros, para preparar a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que decorre de janeiro a junho do próximo ano.
A última vez que tal tinha acontecido foi em 2007. Ora, com vista ao reforço do pessoal, foram contratados vários profissionais das mais diversas áreas. No MNE, em Lisboa, entraram oito pessoas, tendo eu sido uma delas”, contou ao NT a jovem, que foi selecionada para “acompanhar as negociações do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e do Plano de Recuperação pós-COVID-19 e a sua conjugação com os objetivos climáticos a que a UE se comprometeu nos Acordos de Paris em 2015, que se traduzem no Pacto Ecológico Europeu”.
Quanto à experiência, Andreia Aguiar diz estar a ser “muito interessante”, pela oportunidade de “acompanhar de perto as negociações, articular as posições entre os diversos ministérios, designadamente o Ministério do Ambiente e o da Economia e Transição Digital e Trabalho na definição da posição nacional”.
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