Ano 2010
Uma ideia “socratina”: dançar o tango a três
O acordo Governo/PSD, mais que previsto, foi feito à volta do leite achocolatado. Um verdadeiro folclore com sabor a tango, uma telenovela mexicana, onde se vê que é tudo a fingir. Na discussão do Orçamento de Estado para 2011 o PSD meteu-se numa alhada e não soube como sair dela. O Orçamento era mau. E agora o que é? É um delírio político. É mais do mesmo! A intervenção, mais cedo ou mais tarde, do FMI vai ser inevitável.
Cavaco Silva no meio de tanta turbulência lá se colocou em bicos de pé para também dançar o tango e apresentar a sua candidatura às Presidenciais de 2011. O país está perante uma recandidatura, mais que prevista. Ele vai fazer uma campanha acumulando as funções de Presidente. A partir de agora, e por longos seis meses, passará a imitar Fernando Pessoa, pois tem um heterónimo Candidato e outro Presidente. Sem alterar o seu estilo de contenção e racionalidade nas palavras e pouca emoção, ele falou do “trono”. No seu discurso de apresentação, o que ele quis transmitir, foi o mesmo de sempre: ser um referencial de segurança e estabilidade.
Foi com esse estilo que Cavaco Silva conseguiu três maiorias, duas das quais absolutas, uma vitória esmagadora nas anteriores eleições presidenciais. Os Presidentes da República, nos primeiros mandatos, fazem sempre o jogo para serem reeleitos. Só no segundo mandato é que revelam a sua verdadeira face. Foi assim com Mário Soares, quando começou a atacar o governo de Cavaco, e antes disso foi apoiado pelo próprio PSD de Cavaco; Foi com Jorge Sampaio, que dissolveu um órgão, a Assembleia da República, que funcionava com toda a normalidade democrática e tinha sido legitimamente eleito pelos portugueses. É agora, no pressuposto desta recandidatura. Não existe diferença, são iguais.
Por ironia do destino, porque foi Cavaco Silva que ascendeu a líder do PSD acabando com o Bloco Central e é Cavaco Silva quem está a restaurar o Bloco Central vinte e cinco anos depois. Quando Cavaco Silva assumiu a liderança do PSD declarou que era um homem da esquerda moderna. Um reformista, inspirado por Eduard Bernestein. Por ironia do destino, quando José Sócrates assumiu a liderança do PS declarou ser da esquerda moderna inspirado pelo mesmo Bernestein. Isto é, um e outro são mais do mesmo em termos de referências ideológicas. No fundo os dois partidos PS e PSD são meros irmãos.
Nesses vinte e cinco anos, Cavaco Silva esteve dez anos como primeiro-ministro e cinco anos como presidente. É o político que mais tempo tem no activo nos últimos vinte e cinco anos. Foi neste período que se deu a destruição do comércio tradicional com as autorizações das grandes superfícies; a destruição da agricultura e do abate da frota pesqueira com a escolha do betão em vez da educação; a destruição do produto nacional; a destruição do conceito de família tradicional com a promulgação do casamento entre homossexuais; etc. Cavaco Silva não pode apagar esta imagem de candidato situacionista. Não pode, não devia, ter-se apresentado como candidato sem fazer “mea culpa”. É o político no activo que melhor conhece os dossiers do país.
É de origens humildes mas apresentou-se sem a humildade de reconhecer tudo isto e de pedir desculpas pela sua quota parte, na culpa do país estar como está. Mas diz que no próximo mandato vai ter uma magistratura activa. E na anterior? Porque é que não a teve? Onde está o respeito pelos humildes cidadãos que pagam os seus impostos? A situação do país é muito grave. Devia ter tido uma acção de Estadista, que já demonstrou não ser.
Com todo este trambolho à inteligência dos portugueses, o país foi atravessado por um verdadeiro vendaval político em que os intervenientes, Cavaco Silva, Governo e PSD, deram uma imagem peregrina, mais “facebookiana” do que real, do que é neste momento a política e os políticos portugueses. Foi uma ideia de mestre, uma ideia “socratina”: dançar o tango a três. No meio de tanta turbulência política, que eles próprios criaram, lá chegaram todos a um acordo mais que previsível, com algum rapapé ou salamaleque de vénia real, na repartição das culpas de um orçamento que vai deixar o país como estava, ou seja, mal.
José Maria Moreira da Silva
www.moreiradasilva.pt
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