Edição 546
Trofenses Fantásticos: Mestre cervejeiro
Pedro Sousa é de S. Romão do Coronado e faz cerveja desde os 14 anos. Hoje, com a empresa Post Scriptum, defende o estatuto de um dos melhores cervejeiros do país.
Água, malte de cevada, lúpulo e levedura. Estes são os ingredientes necessários para fazer cerveja. À primeira vista parece fácil, mas trata-se de um verdadeiro processo químico que possibilita um sem número de combinações e permite vários tipos de bebida. Há a pilsner, a “loira” mais conhecida por entre os portugueses, a portentosa stout, a pale ale, doppelbock, trippel, etc., etc.
Em Portugal, o senso comum limita-se a identificar aquelas que são lançadas pelas marcas industriais, mas há quem tenha olhado além e concebido cervejas de vários tipos, aromas e texturas. É o caso de Pedro Sousa, natural de S. Romão do Coronado, que ergueu um negócio para sustentar a experiência adquirida ao longo de duas décadas na arte cervejeira.
Há quem o chame “Mourinho da cerveja”, mas ele prefere ver o seu nome reconhecido do que correr o risco de ser associado a fases menos positivas do treinador. “Agora, já não é tão agradável a comparação, porque o Mourinho está em má fase”, disse, entre risos, em conversa com a TrofaTv que foi a Alvarelhos conhecer a fábrica que o cervejeiro montou para fazer crescer a marca Post Scriptum.
E porquê Post Scriptum? “Foi sugestão de um amigo, que disse que além de as iniciais PS coincidirem com as do meu nome, também combinava com aquilo que eu vim dar à indústria cervejeira. Normalmente, nas cartas, o ‘PS’ – post scriptum – é uma informação adicional ao conteúdo do texto e a minha empresa também veio trazer algo de novo”, explicou.
No mundo das cervejas artesanais, Pedro Sousa tem um lugar já bem delineado. Já chegou a ver seis das cervejas que fez no Top 10 das melhores a nível nacional, mas a ambição é maior. “Ainda faltam quatro”, disse, entre risos.
Já criou quatro receitas de cerveja que ganharam nome no mercado. A primeira foi uma pilsner, que até foi criada para testar os equipamentos que comprou depois de uma incursão “desde a Suécia à China”. “Fiz esse primeiro teste que pensava que serviria apenas para limpar o equipamento, mas não. A cerveja estava mesmo muito boa e a receita continua a ser produzida”, contou. Tem ainda uma india pale ale (Equinox), uma doppelbock e uma imperial stout.
Atualmente está a trabalhar em mais seis receitas e as expectativas “são as maiores”, confessou.
Na fábrica que ergueu e que entrou em atividade em março deste ano, consegue fazer entre 18 a 20 mil litros de cerveja por mês. Um número “interessante” e “nada assustador”, tendo em conta que grande parte da quantidade já tem destino mesmo antes de ser produzida, uma vez que a qualidade do produto lhe deu reputação no mercado.
“Há muito trabalho a ser feito, há uma mentalidade que é preciso mudar, porque nós temos uma longa tradição de ver a cerveja como duas ou três marcas industriais nacionais e, normalmente, quem bebe as cervejas artesanais acaba por perceber que têm outras características que dão mais prazer ao beber”, defendeu. Na Trofa, as cervejas de Pedro Sousa podem ser encontradas no Restaurante Dom Bertos.
Apesar de ser considerado pelos entendidos um expert na matéria, Pedro Sousa acredita que “tem muito mais para aprender”.
Aventura começou na adolescência
Depois de oito anos de carreira no ensino, Pedro Sousa decidiu dedicar-se a cem por cento à produção de cerveja.
O gosto pela arte de criar a bebida nasceu aos 14 anos, quando em conjunto com o irmão se aventurou também na produção de vinho e sidra, dando destino às uvas e maçãs que nasciam nos quintais da família.
Pouco tempo depois, descobriu como se produzia cerveja e pôs mãos à obra. Rapidamente se apercebeu que a tarefa não seria fácil, primeiro para a obtenção dos ingredientes, depois pela dificuldade do processo.
Mas persistência parece ser nome do meio de Pedro Sousa, que não desistiu. Andou quatro anos com “tentativas e erros” e a dar a provar ao primo “cobaia” até perceber que o malte e a levedura que estava a utilizar não eram os mais indicados”. “Depois de fazer os ajustes, consegui que o resultado fosse muito melhor. A partir daí, aconteceu tudo muito depressa. Comecei a produzir em casa e houve uma loja em Lisboa que começou a vender alguns kits. Já tinha onde comprar a matéria-prima e as coisas foram evoluindo ao ponto de ter imensos amigos que gostavam das cervejas”, contou.
Pedro Sousa esteve ligado à empresa que criou a cerveja “Sovina” e quando saiu decidiu montar o próprio negócio. Viajou pelo mundo para juntar o equipamento necessário e quando encontrou o pavilhão indicado, em Alvarelhos, perto do monte de S. Gens, montou a fábrica. Lá passa dias e noites a trabalhar e até o sábado é dedicado ao negócio, apesar de aí contar com a visita de amigos que lhe vão dar “apoio moral” e provar algumas cervejas.
No processo de produção, Pedro Sousa gosta de criar paradoxos, tentando “misturar coisas que, regra geral, não se misturam”. “Por exemplo, consegui uma doppelbock com tom claro e com aquela quantidade de malte. Na imperial stout, explorei o ‘drink hability’ (capacidade de beber), fazendo com que as pessoas consigam beber, naturalmente, mais do que uma garrafa. Consegui criar uma india pale ale com um só tipo de lúpulo, o que é extremamente difícil”, explicou.
Combinações “quase infinitas”
Em linhas gerais, a cerveja é uma combinação de água com os ingredientes, que lhe conferem o corpo, o álcool e o condimento. O malte confere sabor – caramelo, café, chocolate, biscoito, frutos secos – e cor, que pode ir do loiro ao preto, dependendo se for mais ou menos torrado. O lúpulo é o “condimento” da cerveja e pode torná-la mais ou menos amarga, enquanto a levedura pode fazer com que seja “mais ou menos frutada, com um final mais seco ou a notar-se mais ou menos o malte”. “Podemos fazer com que a bebida seja mais doce, porque leva menos lúpulo ou porque tem bastante mais malte. E tudo isto pode ser conseguido consoante o nível de carbonatação que tiver. Dizem que há 50 variáveis controláveis e, com base nestes fatores, temos combinações quase infinitas. O difícil é mesmo fazer sempre a mesma receita de cerveja de janeiro a dezembro”, contou Pedro Sousa. Encontrar a receita perfeita também pode ser uma tarefa que requer paciência. Uma das que Pedro Sousa criou levou “seis anos” a apurar.
“Há receitas que faço logo à primeira, mas há sempre coisas em que se pode melhorar. Os olhos, a boca e o nariz que eu tenho de utilizar não são meus, mas dos consumidores. Tenho de estar atento àquilo que eles experimentam e corrigir em função disso”, explicou.
Com este negócio, Pedro Sousa quer abrir outras portas e pensa já numa nova área de atividade, que terá como princípio “a valorização dos resíduos” criados na produção da cerveja. “Ainda é segredo, mas em breve será tornada pública”, afiançou.
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