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Ano 2012

Telefonista obrigado a reformar-se aos 70 anos (C/Video)

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“Câmara da Trofa, boa tarde, faça favor”. Luís Rodrigues perdeu a conta ao número de vezes que repetiu a deixa, em 13 anos de serviço na autarquia. Mas desde terça-feira que a guarda num lugar especial das suas memórias.
Já quem contacta os serviços da Câmara Municipal da Trofa deixou de ouvir a voz cordial e simpática deste homem que foi “obrigado” a deixar o trabalho por atingir o limite de idade ativa. A 4 de novembro, Luís celebra 70 anos e começa uma nova fase da sua vida.

Após 28 anos na função pública, 15 dos quais nos serviços municipalizados de Santo Tirso, sempre com o mesmo cargo de telefonista, Luís Rodrigues vê os próximos tempos com apreensão, porque não quer passar os dias sozinho. Como a esposa ainda trabalha, vai tentar “arranjar alguma coisa” para se ocupar e até já há convites no horizonte, como dar apoio numa casa de apoio a invisuais, que vai iniciar atividade em Monte Córdova, em Santo Tirso. Aí, Luís Rodrigues poderá dar o testemunho, porque também ele é invisual desde os 40 anos. 

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Começou a trabalhar com 22 anos, em Angola, como chefe de  escritório, mas teve de regressar e “o que trouxe de bom foi essa vida, o conhecimento de novas culturas e uma mulher e dois filhos”.
Nessa altura, o tema “muda de vida” de António Variações bem podia ser a banda sonora da vida de Luís Rodrigues. Teve de trocar o emprego no secretariado por uma caixa registadora de um minimercado, passando depois pela experiência de abrir um snack-bar, juntamente com o cunhado. “Passados dois anos de estar cá, comecei a ter problemas na visão. Tinha uma miopia muito gravosa, de 16 dioptrias”, contou em entrevista ao NT, no último dia de serviço na Câmara Municipal. A mudança de rumo na vida, com a saída de Angola, “também teve influência” e agravou-se com o “sistema nervoso”. “As retinas já eram frágeis por natureza, mas cederam. Ainda fiz operações, mas não consegui recuperar”, relatou. Primeiro, perdeu a visão do olho direito. Sete anos depois, foi a luz do esquerdo que se apagou. 
Depois de um interregno, devido à doença, Luís foi à luta: “Consegui aprender mobilidade e braile.

Entretanto dirigi-me à Câmara de Santo Tirso, onde expus a minha situação. O doutor Joaquim Couto (presidente da autarquia) acedeu a que eu fizesse uma experiência e entrei para os serviços municipalizados”.
Depois, com a criação do concelho da Trofa, surgiu uma nova oportunidade. Transitou para a nova autarquia, juntamente com alguns amigos, que “assumiram o compromisso” de lhe dar boleia todos os dias.
Hoje, Luís Rodrigues não esconde a gratidão: “Em 13 anos, não houve um dia que me faltasse transporte”.

Sente alguma mágoa por ter de ir para a reforma, porque é a trabalhar que se sente bem e “útil”. Diariamente, atendeu uma média de cem chamadas e perdeu a conta aos números telefónicos que memorizou. Consigo guardou capas de arquivo com listas telefónicas elaboradas em braile, através da cinzenta e antiga “Perkins Brailer”, uma máquina de escrever para invisuais. O serviço de excelência que prestou durante mais de uma década foi reconhecido através de um voto de louvor, aprovado em janeiro deste ano na Câmara da Trofa. “Sempre procurei ser útil e servir esta gente, que levo comigo no coração”, diz, de voz embargada quando relata a festa surpresa que os funcionários da Câmara lhe fizeram há cerca de duas semanas. “Fiquei muito admirado, fiquei feliz, mas não contava que fosse tanta gente. Valeu a pena vir para a Trofa”, frisou.

Na hora da despedida, Luís Rodrigues não quis deixar o sucessor de mãos a abanar e em cima da mesa colocou um livro das Páginas Amarelas. A experiência como invisual fez com que “apurasse os sentidos”, não só pela mobilidade, mas também para “se defender das situações” que este Mundo pouco adaptado faz questão de criar todos os dias. Mas, em casa, tudo é mais fácil. “Faço tudo normalmente, sem dificuldades.
O que eu faço é não acender a luz, às vezes quando há visitas e venho ao elevador e como está escuro elas assustam-se”, relatou, entre risos.
Dos tempos em que não tinha problemas visuais sente nostalgia de conduzir. Uma vez, quebrou as regras e matou as saudades ao fazer inversão de marcha no carro de um colega. “Uma
colega assistiu e ficou feliz, porque pensava que eu via”, relembrou.
Com a nova realidade, a imagem que Luís Rodrigues tinha das pessoas que o rodeavam pararam no tempo. “Os meus filhos já são homens e ainda os vejo como miúdos. E costumo dizer que olho para o espelho e vejo-me
sempre igual”.
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