Edição 670
Os anjos de farda
Estão presentes nos momentos mais delicados da vida humana. Estão presentes no nascimento, na doença, na prevenção, na cura, na morte. São anjos vestidos de farda, que têm uma das profissões mais nobres. Apesar das dificuldades do setor, dos turnos extenuantes e dos cenários complexos, estes profissionais nunca viram as costas ao doente e têm sempre uma palavra, um sorriso e um abraço para dar. O NT conta um pouco da história de cinco enfermeiros que, em Portugal ou no estrangeiro, tentam dignificar a classe que representam.
“Muitas vezes fui para casa a chorar”
Há empregos e empregos. E o de Ana Paula Figueiredo será um dos mais complexos que existem. Enfermeira no Instituto Português de Oncologia (IPO), com especialidade em psiquiatria, a trofense trabalha nesta área da medicina “há 21 anos” e, apesar de já ter experimentado muitos serviços, por lá quer continuar até à reforma.
“Estou no serviço de internamento, onde se fazem as quimioterapias mais longas, que podem durar dias, ou se recebe os doentes que têm recaídas ou fazem reações adversas a tratamentos ou que estão em fase terminal, a aguardar pelos cuidados paliativos”, contou.
A explicação dá uma ideia do que é o dia a dia do serviço onde Ana Paula trabalha. Do que mais gosta, diz, é de “conseguir tirar a dor” ao doente, através da administração de medicação. No reverso da medalha está, como se antevê, a ineficácia dos fármacos ou do agravamento do estado de saúde de um paciente. Para esses dias, Ana Paula recorre aos mecanismos que foi assimilando para conseguir o controlo emocional. “Às vezes dizem-me assim ‘ó Paula, tu estás habituada, estás habituada a que morram, estás habituada a que sofram’, mas isso não é verdade. Se assim fosse, não éramos sensíveis e os enfermeiros têm de ter sensibilidade”, referiu, sem deixar de admitir que já chorou “muitas vezes”, no regresso a casa. “O meu marido também é enfermeiro e, às vezes, falamos do nosso dia. Damos por nós a ficar felizes pela melhorias dos doentes do outro.
A partilha de experiências com os colegas, afirmou, é mesmo uma das melhores estratégias para aliviar o stress, mas o serviço também garante “um psicólogo” para o caso de ser necessário.
Em 21 anos de serviço na oncologia, Ana Paula coleciona um sem número de histórias marcantes. Uma delas refere-se a um jovem, acabado de se licenciar em medicina dentária, a quem lhe é diagnosticado um cancro. “Ele tinha acabado de montar o consultório, tinha casado e, quando soube da doença, a mulher estava grávida. Lembro-me de que, quando eles entraram no meu serviço, a esposa contou que no espaço de um ano o sonho que viviam tornou-se um pesadelo. Ela acabou por abortar e ele acabou por viver poucos meses. Na noite em que ele morreu, uma colega perguntou à mulher se ela lhe queria tirar a aliança ou não e ela respondeu ‘fui eu que a pus, sou eu que a tiro’”, contou, emocionada.
Mas também há histórias felizes: “Havia uma doente que estava mesmo muito mal e eu pensava que ela não ia aguentar. Fui de férias e quando regressei não a vi e pensei que ela tinha morrido, mas dois ou três meses mais tarde, vi-a a entrar no hospital. Ela tinha recuperado e regressou a casa enquanto estive ausente. Fiquei mesmo contente. Abraçamo-nos”.
Ana Paula sente que é elemento de uma “segunda família” para aqueles doentes, que se encontram no momento “mais frágil” da vida. Mas também é “porto de abrigo” dos familiares, que “também precisam de ser tratados” naquele momento de dor.
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