Edição 509
Opinião: O tipo do estereotipo
Assunto incontornável nestas últimas semanas (e próximos meses), as eleições na Grécia trouxeram uma nova perspectiva sobre o actual modelo de austeridade imposto pelos pactos de agressão a países como a Grécia, Irlanda e Portugal. Das diversas análises políticas que vão sendo produzidas ao longo destes dias, parece-me que a mensagem que o povo grego transmitiu foi que o caminho do empobrecimento e da culpa já se esgotou e a viragem política serviu para demonstrar à Europa que pior é impossível. Uma verdadeira bofetada eleitoral para a ortodoxia económica de Bruxelas e Berlim.
Estando Portugal ainda com a coleira da troika, seria de esperar que o espaço público português, a começar pela comunicação social, pudesse tirar ilações deste verdadeiro bate pé do povo grego. Mas não. Aprendemos, nestas semanas, que qualquer partido ou movimento com mais de duas ideias de esquerda tem logo o rótulo de “esquerda radical”, “extrema esquerda” ou “extrema radical” (?) (esta última entra para o top do léxico político). Ao ouvir esta designação até pensei que estivessem a falar de um extremo grego do Panathinaikos (quem souber o que é, pode enviar-me uma mensagem).
Tal como naqueles quis das redes sociais para saberem a nossa cor preferida ou o instrumento que tocaríamos numa banda rock, eu e alguns dos meus amigos, se fossemos avaliados pelos jornalistas da nossa praça num questionário político, éramos logo classificados como um grupo terrorista procurado pela Interpol e tínhamos em casa uma AK-47 (estou a ver debaixo da cama e para já não tenho nenhuma).
O Dumbo do nosso jornalismo (a.k.a. José Rodrigues dos Santos) tem estado em foco nos últimos dias pela sua cobertura peculiar das eleições gregas. Longe parecem os tempos em que um enviado especial procurava obter uma informação abrangente e sem dicotomias fáceis e generalistas. Talvez fruto dos cortes da RTP, o Dumbo parece que recolheu informação em fontes credíveis como táxis (ainda por cima taxistas cegos), tabernas e pasquins atenienses. E rapidamente chegou a uma conclusão: o povo grego é maioritariamente paralítico, corrupto, não paga impostos, tem uma piscina e a Grécia, numa versão BBC Wildlife, é um pinguim. Num momento gaseado até entrou em contradição quando falou do estado social generoso e apresentou uma reportagem sobre um caótico hospital. Infelizmente não foi o único, pois a maioria da comunicação social que vi, li e ouvi repetidamente falava da tal “esquerda radical” como se estivessem a falar dos maus num conto infantil. Conto infantil que Passos Coelho parece ter lido, pois referiu-se à escolha democrática dos gregos como um conto para crianças. Deixa lá Passos, brevemente vais para o teu reino encantado dos aeródromos onde viverás feliz para sempre com o Relvas.
Numa espécie de exercício mental, imaginemos a nossa reacção se um jornalista grego nas próximas eleições legislativas decidisse fazer uma cobertura com base nos nossos estereótipos e desatasse a falar dos estádios, auto-estradas, fundos da UE, montes no Alentejo, etc. Talvez ficássemos indignados e dizíamos que “não é bem assim”.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Ricardo Garcia
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