Edição 492
Opinião: Crises, monopólios e os culpados do costume
A depressão económica e o elevado endividamento externo que nos atou a uma solução ideológica e ineficaz chamada austeridade não começou com José Sócrates. O “argumento” ainda funciona relativamente bem com uma parte cada vez menor do eleitorado, servindo sobretudo interesses óbvios, com o eleitoralismo social-democrata à cabeça, sacudindo do capote uma água que também é sua. Porém, trata-se de um argumento falso, tão falso como tantas promessas que colocaram Passos Coelho no poder. Claro que tal não invalida que Sócrates tenha sido um governante que também nos iludiu com falsas promessas, que cometeu inúmeros erros e alimentou clientelas, tal como Passos Coelho ou todos os que o antecederam. Mas essa não é a origem do problema.
A origem do problema está mais atrás. Começa com o processo de privatizações posteriores ao contragolpe de Março de 1975 e subsequente reconstrução dos monopólios que no passado controlavam a economia do Estado Novo e que hoje controlam parte significativa das máquinas partidárias que compõem o bloco central. Exemplo disto é o clã Espirito Santo, protegido no passado pelo regime salazarista e que, até cair recentemente em desgraça, sempre contou com inúmeros governantes “biscateiros” do PS e PSD nos seus quadros. Notem que o problema não reside no facto de estas pessoas terem trabalhado no universo Espírito Santo ou noutra empresa qualquer, mas antes por terem ido lá parar, vezes demais, na sequência de negócios que conduziram, muito rentáveis para os novos patrões e altamente lesivos para os contribuintes. As PPP’s são uma das faces mais visíveis deste jogo da promiscuidade entre política e negócios, onde rendimentos obscenos e desproporcionais e ministros que saltam do Governo para os conselhos de administração do PSI-20 são o prato do dia.
Aliado ao monopólio original está, portanto, o monopólio do bloco central. Herdeiros de Salazar na protecção da “oligarquia”, sucessivos governos PS e PSD (com ou sem “táxi”) conseguiram destruir os sectores da agricultura e das pescas, transformar milhares de milhões de fundos europeus em carros de luxo e casas de praia, permitir derrapagens em obras públicas na ordem das dezenas ou mesmo centenas de milhões de euros ou deixar ministros assinar contratos danosos para o Estado com empresas onde posteriormente assinaram contratos de trabalho. A lista continua, é enorme e não cabe aqui. Em suma, são quase 40 anos de governação incompetente, frequentemente instrumentalizada por interesses monopolísticos. O resultado foi despesa pública desregrada, não no Estado Social como alguns nos tentam vender, mas no casino da selva económica e financeira em que hoje vivemos e que permite que se gastem 7 mil milhões de euros a salvar um banco gerido por criminosos, todos em liberdade, enquanto se cortam pensões de base contributiva a quem está a receber o dinheiro que “emprestou” ao Estado durante décadas de trabalho.
O nosso problema não é José Sócrates. O nosso problema são 40 anos de Sócrates, Coelhos, Cavacos, Soares e toda uma rede de clientelas que, essas sim, viveram acima das suas possibilidades, à custa do NOSSO dinheiro, desbarataram património público e fizeram péssimos negócios para o país que resultaram em excelentes negócios para futuros empregadores e patrocinadores de comícios. Sempre impunes. Mas não se indignem: os culpados somos mesmo nós. Ou acham que somos inocentes quando as evidências estão todas à nossa frente e nós permanecemos “impávidos e formatados”?
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