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Edição 605

O livro é uma espécie de cola

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Sucesso. Quando qualquer pessoa o atinge, um dos muitos pensamentos que tem baseia-se nas razões que permitiram que esse sucesso fosse atingido. A família e os amigos, horas e horas de trabalho árduo… Mas não me lembro de, algum dia, ouvir alguém agradecer aos livros que leu. Acredito que tenha acontecido, simplesmente nunca foi na minha presença.
Acredito que muita gente não consiga perceber o alcance deste pensamento, assim como sei que muitos outros irão entender e concordar. No fundo, os livros, o ato de ler, o ato de respirar por uns segundos e ignorar o frenético mundo exterior, é uma espécie de cola nas nossas vidas. É o fio condutor das nossas próprias histórias.
Penso nisto muitas vezes, sobretudo em momentos críticos. Para mim, os momentos críticos são quando me apercebo de que é enorme o número de pessoas que não sabem escrever corretamente ou mesmo ler corretamente. E não me refiro a pessoas com alguma idade, que tiveram outro tipo de ensino e de vida, que muitas vezes lhes exigiu abandonar os estudos (e bem sei que acontece o mesmo hoje em dia, embora em menor escala).
É grave, a meu ver, que alunos universitários, alunos do ensino secundário, ou pessoas minimamente formadas não saibam pontuar uma frase, quer escrita, quer lida. Isto não é, de todo, uma crítica mascarada de uma qualquer superioridade intelectual. Não. Isto é a constatação do mundo em que atualmente vivemos.
A tecnologia faz tudo por nós. Escreve por nós, calcula por nós, até lê por nós! Estamos a ficar, como sociedade, cada vez mais inaptos se não estivermos munidos de dispositivos tecnológicos. Não tentamos perceber como as coisas funcionam à nossa volta, desde que exista um botão que coloque tudo em funcionamento. Este aparente desinteresse geral pelo mundo, pela vida, está presente em todo o lado. As conversas são básicas, sem significado. As discussões nas redes sociais só conseguem ser apelidadas de ridículas. As músicas comerciais atuais, quando comparadas a outras de um tempo que parece muito, muito distante, são vazias de sentido, de significado. Já ninguém pensa sobre o significado da vida, do universo, das estrelas. Ninguém toma um café com um amigo sem tocar uma única vez no telemóvel. Ninguém tenta crescer de momento para momento, sem entregar o seu destino ao próprio destino.
E onde entra o livro nesta história? Eu acredito que ler nos dá tudo. Quando lemos, estamos a conhecer outras entidades. Estamos a absorver opiniões alheias (do autor ou das personagens) e começamos a gostar dessa partilha. Vamos querer fazê-lo mais vezes, se calhar com as pessoas que nos rodeiam, que muitas vezes ficamos espantados por não as conhecermos bem. E vamos habituar o nosso cérebro à escrita, à leitura. Começa a ser tão natural que muitas vezes dizemos “isto não soa bem… Não sei porquê, mas não soa bem”. São os livros que nos dizem, sem nós sabermos.
Livro da Quinzena:

Platão e um ornitorrinco entram num bar, Daniel Klein. Absolutamente fantástico. Filosofia contada e explicada através de anedotas brilhantemente escritas e contadas. Uma leitura obrigatória não só para quem gosta de filosofia, mas para o público em geral. Faz rir e faz pensar.
Literariamente, estamos conversados.

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