Crónicas e opinião
O Estado não perdoa aos contribuintes, mas perdoa-se a si próprio
“A novela, da lei que limita as multas por falta de pagamento de portagens, parece não ter fim, apresentando contornos que levantam sérias questões, sobre a forma como o Estado gere os seus próprios lapsos e a exigência que tem para com os cidadãos.”
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A novela, da lei que limita as multas por falta de pagamento de portagens, parece não ter fim, apresentando contornos que levantam sérias questões, sobre a forma como o Estado gere os seus próprios lapsos e a exigência que tem para com os cidadãos.
A lei que estabelece um novo limite para as multas de portagens continua por aplicar. Esta lei, inicialmente proposta pela Iniciativa Liberal, foi aprovada pelo Parlamento em votação final global, em maio de 2023, estando previsto que entrasse em vigor em 1 de julho de 2024. Os deputados, cientes da ineficiência dos serviços do Estado, já previam mais de um ano para a lei entrar em vigor, mas, ainda assim, os deputados acabaram demasiado ambiciosos, pois esse prazo não foi suficiente.
Em outubro de 2024, respondendo à Iniciativa Liberal, o Governo afirmou que, lá para o final do ano, a medida iria ser implementada. A justificação do Governo para o atraso na aplicação da lei é surreal… falta um contrato para os desenvolvimentos informáticos necessários à operacionalização da lei.
Chegou o final do ano, chegou o final de janeiro e, entretanto, estamos em meados de fevereiro de 2025 e a lei continua por implementar…
Queixamo-nos muitas vezes, e com razão, da demora da justiça, mas se são precisos anos para implementar uma lei, imaginemos o tempo que será preciso para fazer investigações complexas…
Num país onde os contribuintes são constantemente bombardeados com novas obrigações fiscais, onde quase todos os anos as empresas são obrigadas a atualizar o seu software devido a essas alterações fiscais, e onde qualquer atraso no cumprimento das mesmas é punido com juros e multas pesadas, a desculpa do “software” soa a desculpa andrajosa. Imagine-se um cidadão, ou uma empresa, a justificar o atraso no pagamento do IVA com a falta de um “contrato de serviços”, para atualizar o seu programa de faturação. A reação da Autoridade Tributária seria, no mínimo, irónica.
Mas, pelos vistos, o Estado tem direito a prazos alargados e a desculpas esfarrapadas, quando se trata de implementar leis que beneficiam os cidadãos. E, para agravar a situação, o Governo ainda tem a ousadia de culpar o anterior executivo pelo atraso, como se o Ministério das
Finanças não tivesse tido tempo suficiente para tratar do assunto desde tomada de posse. Começa a não ser aceitável, o atual governo desculpar-se com o anterior governo do PS.
abemos bem em que estado o anterior governo deixou o país, mas este governo já teve tempo suficiente para fazer algo. E, na verdade, seja na saúde, na justiça, na segurança ou na educação, por exemplo, os utentes não sentem nenhuma melhoria.
Entretanto, milhares de famílias continuam com a vida “suspensa” devido a penhoras e dívidas de centenas ou milhares de euros, fruto de multas sobre taxas de portagens de alguns cêntimos ou euros. Famílias que, muitas vezes, não têm como pagar estas multas exorbitantes, e que se veem a braços com processos de execução fiscal, que não deviam acontecer, que lhes retiram bens essenciais.
É certo que o Governo garante, que todos os processos pendentes serão abrangidos pelas novas regras e que os pagamentos em excesso serão restituídos. Mas será que isso é suficiente? Será que o Estado não tem a obrigação de ser mais diligente na aplicação das leis, especialmente quando elas têm um impacto tão grande na vida das pessoas? Como se pode aceitar que as famílias tenham que pagar adiantado valores exorbitantes não devidos, mesmo que depois, eventualmente, esses valores lhes sejam devolvidos? A resposta parece óbvia. Mas, pelos vistos, a fasquia da exigência não é a mesma quando se trata do Estado e dos cidadãos contribuintes. E esta, é uma lição que os portugueses já aprenderam da pior maneira.
Esta situação revela-nos uma outra realidade bem presente. A máquina deste Estado, demasiado grande, demasiado lento e demasiado inoperante, demasiado caro, é de tal forma ineficiente que é incapaz de implementar as leis que o próprio cria e promulga.