Edição 655
O drama dos refugiados vivido de perto por um murense (C/Vídeo)
Enquanto o leitor atenta nestas linhas, milhares de pessoas tentam sobreviver, em condições miseráveis, nos campos de refugiados que resistem na Grécia. Enquanto estamos no conforto dos nossos lares, há pessoas com vidas desfeitas pela guerra, ou interrompidas pela perseguição religiosa ou carregadas de esperança por um futuro mais feliz e próspero. Enquanto isso, Pedro Amaro Santos está longe de casa para contribuir para que a esperança dessas pessoas não esmoreça
Pedro Amaro Santos reside na freguesia do Muro e partiu para a Grécia em fevereiro de 2017, para integrar um projeto de voluntariado europeu relacionado com direitos humanos. A trabalhar na secção de comunicação, Pedro tomou conhecimento profundo da crise dos refugiados, o que o levou a abraçar um novo desafio na Plataforma de Apoio aos Refugiados, organização nacional que trabalha diretamente com os migrantes na Grécia e em Portugal.
São inúmeras as organizações que, espalhadas pelo país helvético, prestam apoio aos refugiados, em diferentes vertentes. Se há umas que se ocupam de fornecer bens de primeira necessidade, como alimentos, vestuário e calçado, outras existem para ocupar os tempos livres dos migrantes à espera do desbloqueio das fronteiras. Pedro Amaro Santos está em Atenas e integra um grupo de trabalho de integração através da educação não formal. “No caso das crianças, organizamos atividades lúdicas, relacionadas com artes, e aulas de inglês. Junto dos jovens debatemos temas sobre direitos humanos e desenvolvimento pessoal e, nos adultos, promovemos a igualdade de género e a ocupação de tempos livres, contribuindo para que elas não fiquem frustradas e aborrecidas, sem qualquer perspetiva de futuro”, explicou em entrevista ao NT.
Os holofotes dos media apagaram-se e há quem, erradamente, pense que a crise dos refugiados está resolvida. “Não está de forma nenhuma, nem vai estar nos próximos tempos”, garante o jovem que sublinhou a “mudança drástica” do ponto de vista político, uma vez que “muitos dos países fecharam os programas de relocação” e “não vão receber mais refugiados”. “Inclusivamente Portugal”, acrescentou, “não cumpriu as cotas de refugiados que tinha acordado com a União Europeia”. “Todos os dias conheço pessoas que me dizem que fizeram pedido de asilo em Portugal que foi rejeitado”, frisou.
O cenário não é simpático e quem está na Grécia, na Grécia vai continuar. A falta de respostas e o aumento de pessoas a entrar no país tornam o futuro mais obscuro, assim como o anúncio do Alto Comissariado para as Nações Unidas de se retirar do país por considerar que não é uma situação em estado de emergência. “As coisas vão piorar”, vaticina Pedro Amaro Santos, que projeta “a saída de profissionais e condições logísticas em grande escala”. Sobra para o governo grego que, segundo o jovem, “não tem condições” para assumir a responsabilidade, tal é a “crise social e económica” que atravessa. “Houve o encerramento de cinco campos e as dez mil pessoas que eles albergavam teriam de ser deslocadas para habitação em cidades do país, mas não foi conseguido que todas elas tivessem casa ou abrigo para dormir. Há muitas a pernoitar na rua. E há previsões para se fecharem mais cinco campos, ou seja mais dez mil pessoas que poderão ficar sem resposta”, documentou.
Há organizações internacionais que estão a deitar a toalha ao chão tal a insustentabilidade da situação e o próprio povo helvético, outrora compreensivo e cooperante, começa a manifestar impaciência: “Já começam a dar sinais claros de resistência, com atos xenófobos, porque também estão cansados e têm que lidar com os próprios problemas nacionais”.
Refugiados de primeira e de segunda
Além de terem de passar pelas dificuldades inerentes à condição de refugiados, há quem tenha de se deparar com obstáculos acrescidos. Como explicou Pedro Amaro Santos, “há pessoas de muitos estratos e classes sociais, de muitos países e com motivos para emigrar distintos”. Tudo isso acaba por “determinar o que elas enfrentam a partir do momento em que chegam à Europa” e o “tipo de tratamento que têm”. Exemplo: “A situação com maior exposição mediática foi a da Síria, que é um país super estratégico no Médio Oriente. O número de refugiados deste país é muito grande, mas o do Afeganistão também é, contudo não mereceu o mesmo tratamento dos media e as próprias autoridades europeias não reconheceram ao Afeganistão os mesmos direitos que reconheceram à Síria. Há tempos, a Alemanha estava a enviar afegãos de volta para a Grécia e a acolher sírios”.
Há ainda o problema grave dos homens que entram na Europa sem família. Esses são colocados em “campos de detenção”, segundo Pedro Amaro Santos, “autênticas prisões”.
E depois, há campos e campos. Nenhum com condições dignas, mas uns com cenários caóticos. É o caso do que está localizado em Moria, em Lesbos. Inicialmente criado para acolher cerca de 1500 pessoas, albergará atualmente “mais de oito mil”. O número explica-se pelo bloqueio das fronteiras e pela alternativa que os migrantes encontraram de atravessar, em condições muito perigosas, o Mar Mediterrâneo, até chegar a Lesbos. “Não há capacidade entre as pessoas de se organizarem para terem as condições mínimas. Estamos a falar de casas de banho num estado desumano, impensável existirem numa Europa contemporânea, da inexistência de alojamento para grande parte das pessoas, com muita gente a acampar em tendas miseráveis, num pavimento em terra, que piora no inverno, e de filas caóticas para a distribuição de comida”, relatou.
A Grécia, isolada de uma Europa fechada, é já uma grande prisão e a falta de soluções está a criar uma grande instabilidade social entre os migrantes que, sem respostas e assistindo à morte de outros como eles, revoltam-se. Há, por isso, relato de vários protestos e episódios de violência. E o número de migrantes na Grécia não para de aumentar.
Guerra, perseguição, terrorismo
Apesar de a guerra e a perseguição religiosa serem os motivos que levam mais pessoas a fugir do país de origem, há também quem entre na Europa por outras razões. Pedro Amaro Santos dá conta de migrantes “com situações de vida extremamente vulneráveis, que vivem a guerra de muito perto, que vêm metade da família a morrer, que têm filhos perdidos. São pessoas que estão a ser perseguidas, presas e torturadas por serem cristãs. São pessoas que fogem para evitar que os filhos se envolvam em grupos terroristas, alguns dos quais fazem uma propaganda muito agressiva junto de crianças, indo para a porta das escolas oferecer brinquedos”, explicou.
Há ainda migrantes, especialmente oriundos do Norte de África, com problemas económicos e têm a ideia de uma Europa que acolhe as pessoas e que as vai salvar. E para o jovem murense, “a Europa tem a responsabilidade de salvar estas pessoas”, mas está a fazer o contrário, uma vez que “celebrou um acordo com a Turquia, um país com problemas sérios com direitos humanos, pagando para que esta se responsabilize pelo reforço e controlo das fronteiras”. “A Europa também está a pagar à Líbia para que esta faça um maior controlo de fronteiras para reduzir o número de refugiados a entrar no sul de Itália. E o que a Líbia está a fazer é matar a tiro as pessoas que tentam sair do país de barco. O mesmo aconteceu nas fronteiras do Norte da Grécia, Bulgária, Macedónia, Hungria, tudo pago com dinheiro europeu”, documentou.
Temos o direito de criticar quem não quer ficar no país?
Pedro Amaro Santos vive o problema dos refugiados de perto e conhece bem as fragilidades sociais de quem luta por uma vida melhor. Quanto aos migrantes que são acolhidos em Portugal e depois saem, o jovem murense recusa condená-los, preferindo pensar pela perspetiva dessas pessoas: “Portugal não tem comunidades do Médio Oriente, à exceção de Lisboa, onde existem excelentes casos de integração e que servem de exemplo a nível internacional. Mas não se pode esperar que uma pessoa completamente despojada de tudo o que é a sua cultura vá viver para o interior, muitas das vezes com apoios, outras não. A diferença cultural faz com que as pessoas, legitimamente, queiram sair do país. Além disso, se elas tiverem o resto da sua família na Alemanha, por exemplo, é natural que se queiram juntar a ela. Não temos o direito de as travar nem julgar”.
Desde fevereiro na Grécia, Pedro Amaro Santos não tem data prevista de regresso a Portugal. “Ainda há muito trabalho por aqui”, respondeu.
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