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Edição 655

Nunca um segredo fez tanto ruído

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Embora seja um assunto demasiado rebuscado, que a imprensa deu à estampa em muito boa hora para gáudio dos detratores da democracia e da liberdade, não pode ser esquecido o facto de se ter verificado um procedimento no mínimo vergonhoso, por parte da maioria dos partidos políticos com assento parlamentar, na aprovação por maioria da alteração da famigerada lei de financiamento dos partidos. A alteração a esta lei foi aprovada em segredo, sem deixar rasto, fora do escrutínio público, pela calada da época natalícia.
Durante um ano os partidos políticos com assento parlamentar, que nunca se entendem em questões relevantes (fiscalidade, educação, saúde, segurança social, defesa nacional, divisão administrativa ou do problema grave da interiorização), conseguiram o feito histórico de reunirem à porta fechada (sem registos do que se lá passou) e entenderam-se na aprovação por maioria (votos contra do CDS-PP e do PAN) da alteração à lei do financiamento dos partidos políticos. Uma matéria do seu interesse, para saírem do sufoco financeiro em que encontram, pois alguns estão falidos tecnicamente, com dívidas astronómicas sem possibilidade de as liquidarem.
A nova lei que foi aprovada à socapa do escrutínio público vem dar uma preciosa ajuda na resolução dos problemas do PS com os processos de vários milhões de euros (a dívida dos socialistas é superior a 20 milhões de euros), mas também na questão da angariação de donativos do PCP na Festa do Avante (uma reivindicação antiga dos comunistas), das festas do PSD (Pontal e Chão da Lagoa, este na Madeira) e da festa do PS (Pontinha). Os partidos demonstraram as suas aptidões para «tratarem da sua vidinha», matéria em que são bons especialistas, mesmo que agora venham dizer que a alteração à referida lei não foi para serem beneficiados
Com a alteração da referida lei, os partidos políticos deixam de ter um valor máximo na angariação de fundos (o valor máximo anual do ano passado, pouco passou dos 630 mil euros e agora não há limite), mas também é permitido aos partidos pedirem a devolução do IVA de todas as despesas. Para legislarem em causa própria antes das festas de Natal, a Assembleia da República teve de adiar a discussão da petição e diplomas referentes ao encerramento da central nuclear de Almaraz, que se poderá transformar num problema grave para Portugal.
Este conluio vergonhoso de alguns partidos políticos que aprovaram em segredo um conjunto de benesses em causa própria, este bónus milionário que os partidos políticos deram a si próprios num secretismo obsceno como se estivessem a viver na clandestinade originou uma série de protestos da sociedade civil, que bem se pode dizer que nunca um segredo fez tanto ruído. Estas alterações à lei do financiamento dos partidos políticos são inadmissíveis, escandalosas e indecorosas e sujaram ainda mais a imagem dos deputados da Nação que a aprovou, até porque os partidos já vão receber mais 1,5 milhões de euros de apoios públicos neste ano de 2018.
Os partidos políticos com este comportamento indecoroso corroboraram a opinião do pensador francês do século XIX e um dos grandes teóricos e pensadores sobre a democracia Alexis Tocqueville, quando divagou sobre a democracia como a ditadura da maioria. O Presidente da República, que foi surpreendido com a aprovação das alterações à referida lei decidiu devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o respetivo decreto e, com este ato, obrigar os deputados a alterarem o diploma para ultrapassar as dúvidas ou a confirmarem a lei com uma maioria alargada de dois terços.
moreira.da.silva@sapo.pt
www.moreiradasilva.pt

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