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Edição 569

“Não podiam trabalhar com fome” título de um livro de Daniel Vieira

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O homem, sentado, esperava o indomável correr do tempo no seu pequeno estabelecimento “café Dólmen” naquele domingo de Páscoa junto à anta de Pavia, ali, ao lado do “museu Manuel Ribeiro de Pavia”, casa de pintor maior, um dos grandes do neorrealismo, sempre preocupado com o seu povo, solidário com a sua gente. Este é o interior de Portugal, o Alentejo desertificado, rico mas pobre, alentado mas monótono. Eu, que já vi esta terra a fervilhar, mexer, crescer, irradiar, é com mágoa, sempre que por lá passo, que vejo a esvair-se, a emagrecer, envelhecendo. Um alentejano, já ancião, avançou do seu canto ao meu interesse, perto do Marvão, em S. António das Areias, com quem encetei conversa. A cavaqueira, que começou de “espargos” e de “espargos” acabou, passando pela vida, rompeu a formalidade, revestiu-se de amizade e humanidade e acabou em oferta de “espargos bravos” colhidos por aquela alma caridosa naquele dia, que os dividiu de forma igual por mim e por ele. Haverá maior bondade no mundo?
No passado 26 de Fevereiro de 2016, desloquei-me a S. Pedro da Cova para assistir ao lançamento e apresentação do livro de Daniel Vieira, presidente da Junta de Freguesia de Fânzeres e S. Pedro da Cova, militante comunista. O Autor teve a gentileza de me convidar. Poderia não o ter feito, mas lembrou-se de mim, que ninguém sou, para além de companheiro de batalha nesta tentativa, às vezes desesperante, sempre desesperada, mas permanentemente confiante de transformar o mundo para melhor. Também um simples gesto. Haverá maior bondade no mundo? Intitulou o livro de «Não Podiam Trabalhar Com Fome» que se debruça sobre o movimento grevista mineiro daquela terra e sobretudo sobre a greve de 1946 nas minas de S. Pedro, de que a SIC apresentou no passado dia 9 de Abril a seguir ao jornal da noite, nos “perdidos e achados” uma interessante reportagem. O evento conduz-me na viagem pela «unidade» e transporta-me para os muitos casos de sucesso de muitas greves e lutas porque resultaram da unidade, verdadeira unidade, visceral, intrínseca, fraterna, intensa…e por motivos e com objetivos concretos, necessidades humanas básicas, como o direito ao trabalho ou o direito a um salário digno, ou, simplesmente, porque os operários e suas famílias tinham fome. Na ficção, baseada na realidade, transporto-me do «Jubiabá» e dos «Subterrâneos da Liberdade» de Amado ao «Até Amanhã, Camaradas» de Cunhal, passando por «A Lã e a Neve» de Ferreira de Castro. Lembro-me também de outros casos, ligados às minas, e às condições miseráveis em que viviam todos os que dependiam do trabalho nas minas, como bem nos relata Fernando Namora em “As minas de S. Francisco”. Ou histórias como daqueles oito assaltantes de 1954 nas minas da borralha em que “roubaram” duas toneladas de volfrâmio para fugirem para o Brasil com as famílias em busca de nova vida. Foram apanhados. Levados a Tribunal. O Juiz chamou-lhes “ladrões”. Um deles retorquiu que o volfrâmio não pertencia nem aos franceses (que exploravam a mina) nem a Salazar, mas sim ao povo e se o povo era roubado, o povo e ele que do povo fazia parte, tinha direito a roubar. Obteve pena a dobrar, pela audácia de enfrentar o tribunal fascista.
A todos estes casos de greves encontra-se ligada a ocorrência da fome. Curioso é que em 1946, os operários mineiros de S. Pedro da Cova faziam parte das minas no sentido muito físico do termo. Como as instalações ou os apetrechos, os operários, como se ainda de escravos se tratasse, eram obrigados a ir trabalhar pela força policial. Mas com as galerias alagadas, um calor insuportável, nus, descalços, sem forças, alguns doentes e com salários miseráveis, apesar de todas as formas de repressão, os mineiros avançaram com a greve, tendo conseguido parcialmente um aumento salarial para as suas vidas e famílias. Não haverá maior bondade no mundo que esta de lutar por melhores condições, por mais e melhor vida, mas como nos explica Daniel Vieira, o principal catalisador que releva da «quase totalidade dos relatos» dos mineiros detidos para interrogatório pela PIDE era de que “não podiam trabalhar com fome”.

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