Crónicas e opinião
Memórias e Histórias da Trofa: O tempo, por vezes (ou quase sempre), é inimigo da memória
Por uma questão de honestidade e verdade histórica tentar comemorar de forma digna o 150.º aniversário da chegada do comboio a esta localidade, até porque a ingratidão é o pior dos sentimentos, virar as costas a quem ou ao que tanto deu à Trofa.
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Nos raros momentos de descontração, procurando gozar os momentos de ócio, fazendo o que inúmeros portugueses fazem, navegando com os pés no chão, procurando por novidades nas redes sociais, eis que por vezes também nos deparamos com aspetos positivos, não se resumindo apenas a discussões sobre o nada que alimentam polémicas sem sentido que servem apenas para entreter o comum mortal e desviar o foco do essencial. Porém, por vezes também temos direito às nossas dores de pensar.
Numa das muitas divagações por esse mundo, eis que recebo uma notificação de que estaria próxima a data de comemoração dos 150 anos da inauguração da linha ferroviário do Ramal de Braga que por capricho da geografia iria ter a sua paragem na Trofa.
Estamos em meados de fevereiro de 2025 e passados 150 anos, ou melhor, recuando no tempo para uma melhor perceção dessa situação, caminhando de retorno para 1875, para testemunharmos que estava cada vez mais próxima a concretização de um dos grandes objetivos da economia política nacional, um dos muitos projetos que se acreditava que podia alavancar a nossa economia, seguindo as “normas” do progresso europeu.
Um país em que a sua economia estava cada vez mais longe do “comboio” do progresso, cada dia perdido, mês, era subir mais um degrau na escala do atraso que não se pretendia que fosse conseguido, atendendo que estávamos inseridos num continente progressista de seu nome Europa, que tinha de liderar o crescimento económico no globo.
Todavia, as máquinas estavam no terreno desde 1872 e três anos foram suficientes que esta linha de comboio se tornasse uma realidade, ligando duas das cidades mais importantes do país e que obviamente poderia ser uma abertura para o caminho das oportunidades para muitas localidades.
Concretizado este enquadramento histórico, deve ser reforçado para os mais distraídos que o intuito deste texto é apenas, fazer relembrar que estamos próximos de comemorar uma efeméride extremamente importante para a nossa identidade.
Aquilo que nos deu o ser, que nos ajudou de forma decisiva a sermos considerados uma vila, uma cidade e atualmente um concelho, que permitiu que deixássemos de ser um simples local de passagem entre duas das maiores cidades do país, está prestes a comemorar mais um aniversário.
Rasgou a paisagem e permitiu que desde aquele momento, inúmeros portugueses, vindos de várias regiões, sobretudo do interior, onde se vivia ainda com menos, ou melhor com quase nada, nos restos de um país que ainda em determinadas comunidades existia um espírito senhorial encapotado.
Aliás, se me permitem o lançamento de um desafio, poucos serão aqueles que vivem na Trofa que terão todos os bisavós oriundos da Trofa, quantos e quantos são transmontanos, minhotos, ou até mesmo das regiões interiores do distrito do Porto.
Eu sei que o foco agora é outro na política cultural, engatamos para um discurso que não nos permite desviar (aparentemente) um milímetro de um produto cultural que teve e tem o seu impacto na história, contudo, não podemos resumir a nossa oferta cultural a esse único produto.
Por uma questão de honestidade e verdade histórica tentar comemorar de forma digna o 150.º aniversário da chegada do comboio a esta localidade, até porque a ingratidão é o pior dos sentimentos, virar as costas a quem ou ao que tanto deu à Trofa.
A partir do dia 20 de maio de 1875, nada mais seria igual neste pequeno burgo que demonstrava um enorme potencial de crescimento, mas que ia sendo perdido esse mesmo potencial devido a más políticas, ou até mesmo desleixo dos vários órgãos de poder.
Urge fazer respeitar o nosso passado e fazer com que o tempo não seja inimigo da memória e que saibamos honrar o legado que o caminho de ferro e o transporte ferroviário teve na nossa história…. 150 anos não são 150 dias…