Edição 575
Literária mente por César Alves
“Vivemos no país em que um telemóvel de 300€ é barato e um livro de 20€ é caro”
Fiquei a conhecer esta frase esta semana, navegando pelas redes sociais. Caiu em mim com grande choque. Depois do primeiro pensamento que dizia que aquela frase era absolutamente assertiva, cheguei à conclusão que ela também se adequa a mim. Também sou, por vezes, vítima da força do grupo.
Portugal tem um problema cultural muito grande, transversal a todas as áreas. A literatura não é exceção.
Na era das massas, da informação, do fácil acesso, a cultura perdeu algum valor, a uma escala global. E quando olhamos para o nosso exemplo, percebemos que o nosso problema não é falta de qualidade (pelo contrário): é falta de valorização.
Não valorizamos convenientemente os nossos artistas. E poderíamos pensar que a culpa seria das grandes instituições, ou do estado. Mas não. A culpa é nossa que, provavelmente, se tivermos que escolher entre um autor português e um autor americano (por exemplo), escolhemos o americano. Há uma certa tendência para preferir aquilo que vem de fora àquilo que é nosso.
E é óbvio que quando fazemos cara feia aos autores portugueses, aos livros portugueses, à arte portuguesa, ela vai perdendo valor. E se, por vezes, lá fora olham para nós com a admiração que merecemos, penso sempre que, se essa admiração começasse cá, poderíamos atingir patamares muito mais elevados.
É óbvio que somos um país pequeno. A capacidade financeira (que infelizmente é um fator importante no mundo literário) dos outros países, quando comparada à nossa, é enormíssima. Mas acredito que o meu povo tem aquele “sangue na guelra”, aquela fúria tipicamente portuguesa, de conseguir fazer muito com pouco. E acredito que é possível puxar pelo nosso orgulho e chegar cada vez mais longe. Em todas as áreas. Na literatura também.
Temos autores fabulosos. Leio livros portugueses tão bons que penso: noutra língua, eram top de vendas.
Saramago é o nosso baluarte literário, sobretudo pelo Nobel que venceu. Mas não o encaremos como um ser inatingível, nem com um legado que mais ninguém poderá alcançar. Devemos, sim, olhá-lo como exemplo, mas sobretudo como a prova viva de que nós conseguimos. De que podemos ser “pequenos”, mas temos a capacidade de chegar longe. Que os nossos livros têm qualidade, que somos bons contadores de histórias.
Assim, o meu maior desejo é que a frase com que iniciei este texto deixe de fazer sentido. O meu desejo é que os 20€ que damos por um livro sejam entendidos, por nós, como um investimento naquilo que somos e podemos ser. Como um investimento na nossa cultura, na nossa formação, no nosso pensamento. Porque a dicotomia barato/caro quando falamos do preço das coisas é sempre subjetiva. Vamos então ter a noção do valor do livro.
Não podia terminar sem falar do nosso cantinho dentro do nosso cantinho. A Trofa. A nossa cidade surpreende-me pela capacidade que tem em formar gente extraordinária em várias áreas e, sobretudo, desde muito tenra idade. É preciso que os trofenses em geral, e os trofenses com responsabilidades sociais em particular, assumam, de forma séria, que a Trofa tem essa capacidade e que devemos apoiar com tudo o que temos a formação desses jovens. São o nosso futuro.
Livro da Quinzena
Os livros que devoraram o meu pai, Afonso Cruz
Naqueles momentos em que estamos aborrecidos na fila, na sala de espera, este livro é a melhor companhia. Lê-se de rajada, mas não conseguimos parar de sorrir ao virar a página.
Literariamente, estamos conversados.
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