Edição 726
José Maria Moreira da Silva (1951-2020): O concelho chora a morte de um pai
A 29 de setembro, o concelho da Trofa ficou órfão de uma das mais importantes figuras da sua história recente. José Maria Moreira da Silva deixou a vida terrena com um exemplo inabalável de filantropia e “trofismo”.
José Maria Moreira da Silva dispensa apresentações. A sua bagagem cultural, tal e qual uma árvore que cresce sem parar, foi ramificando por todo o país, semeando sabedoria e colhendo experiências, amizade e respeito.
Hoje em dia, são poucos os que reúnem atributos para merecer a distinção, mas a José Maria Moreira da Silva não há pontos, nem vírgulas, nem conjunções adversativas na hora de o nomear: era um verdadeiro filantropo, que deu tudo de si pela felicidade de uma comunidade.
Uma das suas grandes obras foi criada em 1998 sobre a forma de oito freguesias. É um dos pais do concelho da Trofa e como presidente da Junta de Freguesia do Muro fez da sede desta autarquia o “quartel-general” da Comissão Promotora, suportando a pressão do poder municipal de Santo Tirso, descontente pela emancipação trofense.
Como chegou a confessar ao O Notícias da Trofa, um dia, quanto ao processo de criação do concelho, esteve “envolvido até ao tutano”, tendo colecionado algumas inimizades, mas em prol de uma causa maior, aquela que foi a maior causa de Moreira da Silva.
Era livre no pensamento, ainda que fiel a uma visão conservadora da atividade política, não se escudava em discursos politicamente corretos. Mordaz no tom e convicto das ideias que cultivou, concordava com muitos e discordava de outros tantos, mas conseguia colher o respeito de todos. É esta a principal característica ressaltada nas dezenas de publicações de homenagem póstuma feitas nas redes sociais.
Moreira da Silva rejubilava pelos momentos em que o povo se fazia ouvir, como aquele dia 19 de novembro de 1998, em que, da escadaria da Assembleia da República, chorou de alegria ao ver os milhares de trofenses gritarem pela autonomia administrativa.
Ao longo destes quase 22 anos, Moreira da Silva tentou, de diversas formas, contribuir para a “verdade” da história, fazendo questão de relevar o papel preponderante das juntas de freguesia, associações, escolas, empresas e comunicação social local para dar músculo à luta. Por isso, depois de, em 2008, ter escrito que “o que se tem dito e ‘escrevinhado’ sobre a história da Criação do Concelho da Trofa, padece de rigor, independência e honestidade intelectual”, decidiu, ele mesmo, pôr mãos à obra e escrever um livro, que foi apresentado em novembro de 2016, dando cumprimento ao que considerava ser um “dever cívico”. “Na história da Trofa, o período que antecedeu a criação do concelho foi um tempo de luta por uma emancipação mais que justa. Talvez tenha sido o período mais profícuo da história da Trofa, mas também foi o período em que o ‘trofismo’ esteve mais arreigado nas nobres gentes, deste mais novel concelho do país”, disse, numa das apresentações do livro “A História da Criação do Concelho da Trofa – Contributos”.
Aplaudiu os boicotes eleitorais na freguesia do coração, Muro, em protesto com a inação governamental quanto ao cumprimento da promessa feita de instalar a linha do metro, aquando da retirada dos carris que faziam a linha estreita Guimarães-Trindade. E partiu sem ver concretizado o sonho de voltar a ver a freguesia reconquistar o dinamismo que, outrora, o comboio lhe deu.
Apesar de algumas amarguras vividas, naturais de uma numerosa e profunda atividade cívica, Moreira da Silva recebia todos com um sorriso.
O seu papel cívico e altruísta evidenciou-se em diversos outros momentos, como as participações em palestras e a angariação de fundos para ver a funcionar outro dos projetos comunitários que abraçou: a sede da Muro de Abrigo, associação presidida pela esposa, Fátima Neves. Esteve ligado a muitas outras associações, na freguesia do Muro e por todo o concelho.
Era um psicólogo da felicidade e dessa condição nasceu o livro “Vale a pena viver feliz e viver a vida. Intensamente”, que espelha bem a forma como via o mundo: “Esses meus pensamentos foram lá colocados porque foram abandonando a minha alma, galgaram os degraus da solidão, por vezes sombria, e caminharam por estradas cheias de luz e amor”.
Professor universitário e consultor sénior de psicologia social e das organizações, em empresas nacionais e estrangeiras e em associações e instituições de solidariedade social, José Maria Moreira da Silva colecionou um currículo invejável, no qual se destacam ainda o doutoramento em Ciência Política e especialização na área comportamental e comunicacional, tendo sido palestrante em diversos colóquios, seminários e workshops. Foi adjunto na Presidência do Conselho de Ministros e presidente da Junta de Freguesia do Muro entre 1993 e 2001.
Nos últimos anos, com uma participação ativa nas redes sociais, ia partilhando ideias e pensamentos, como este, acaso que deixa um laivo de premonição, publicado no derradeiro dia: “A galgar o presente rumo ao futuro, sem estar preso ao passado, mas saboreando o presente e estando aberto ao futuro, consciente que a vida é inconstância e mudança e a existência uma viagem”.
“A sua importância na freguesia do Muro é inquestionável assim como o seu papel na criação do concelho da Trofa, tendo sido membro da Comissão Promotora do Concelho da Trofa e coordenador da ida a Lisboa no dia 19 de novembro de 1998 para trazer o concelho da Trofa. Foram muitos os feitos e efeitos que nos proporcionou durante toda a sua vida”.
Junta de Freguesia do Muro
Cronista do NT desde a sua fundação
José Maria Moreira da Silva era o cronista mais antigo do jornal O Notícias da Trofa. Colaborador desde a fundação deste periódico, assinou centenas de textos, nos quais pôde expor a sua liberdade de pensamento, com contributos políticos e sociológicos que marcarão, inevitavelmente, a história deste jornal e dos quais nos orgulhamos de fazer perpetuar através deste projeto jornalístico. Contar com a colaboração deste “colega”, como ele carinhosamente gostava de tratar os profissionais desta redação, foi um privilégio. Da sua atividade cívica, guardaremos sempre a boa disposição, o sorriso contagioso e capacidade de colher fruto de qualquer debate.
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