Ano 2010
Há só mar no meu País / Não há terra que dê pão
Excerto do poema “epigrama” de Afonso Duarte
Chegado de férias, não resisti à tentação e, de um só jorro, despejei a minha fúria. Há muito que não apreciava aquele Alentejo profundo.
No passado dia 18 de Agosto, arrumámos as trouxas, a tenda, o fogão e abalamos. Claro que do ponto de vista do mero divertimento, o apreciar da esfera celeste em noite bem escura espreitando o incomensurável universo, o aproveitar águas boas para um recompensador banho, o respirar bons ares, a viagem não defraudou. Mas o que era o Alentejo… aquele que eu tão bem conheci de 1976 a 1986… e o que é hoje? E os alentejanos onde estão? Onde estão as crianças? Os jovens? Onde está a terra? Sim, onde está a terra que dá o pão? Nota-se que as autarquias, na generalidade, trabalharam bem, com arrumação, dotaram as populações de saneamento e distribuição de água, de boas comunicações, de lares, de creches, de escolas, de piscinas, de jardins, protegeram o património, promoveram-no. Da mais pequena freguesia à vila maior, nota-se esse cuidado. É um trabalho excelente, na sua grande maioria realizado por autarcas da CDU, desde o 25 de Abril. Depois continua a resplandecer aquele branco caiado, mesclado dos azuis, amarelos, vermelho e verdes que ladeiam e cercam as portas e janelas. Perdura o inebriar daquele odor aromático e culinário que só lá, no Alentejo, se sente e respira. Mas anda-se quilómetros, quilómetros e quilómetros de hectares e…nada. Das terras de Montargil e Mora a Vila Viçosa e Alandroal, do cerro de Monsaraz a Serpa, de Castro Verde a Almodôvar e… nada. “Há só mar no meu País/Não há terra que dê pão”. Malditos governantes que ceifaram este Alentejo, que arruinaram este povo. Nefasta política de direita que apenas vê o dinheiro e o lucro na frente. Eu conheci o Alentejo e durante mais de dez anos acompanhei com alguma regularidade aquele processo que ficou designado como a Reforma Agrária. Esse mesmo que tinha como slogan “a terra a quem a trabalha”. Acompanhei com as possibilidades que tinha essas realizações colectivas espantosas de colocar a terra a produzir pão e, como diria Neruda a produzir “pão para todos”. Nas UCPs (unidades colectivas de produção) e cooperativas surgiam toneladas de trigo, de aveia, de arroz, de tomate, de tabaco e até de algodão. Fruto do trabalho de todos, nasceram os primeiros filhos de uma vida que se queria melhor: as creches, as associações, os lares. Frutos do Portugal de Abril e concretizados pela primeira vez em resultado do trabalho da terra, da produção da terra. Todas as mãos estavam ocupadas, não havia desemprego. Da UCP “1.º de Maio”, da “Terra de Pão”, da “Estrela Vermelha”, da de “Conqueiros” à “Fidel de Castro”, as que conheci, nascia essa alma nova, fruto do trabalho na terra sem haver exploração do trabalhador, de haver emprego para todos e de os lucros poderem ser investidos no bem-estar de todos. Maldita política de direita que acabou com tão abençoada organização da terra e dos homens. Só pode ser obra do diabo, ou de quem o represente na terra. Quem pode achar natural haver terras por cultivar e mãos sem ocupação, quando em Portugal há fome, há carências…quando no mundo há fome… Hoje o Alentejo, para além da beleza uniforme dos seus aglomerados urbanos e da água armazenada, é um imenso deserto. Até dá dó…tanta água.. tanta terra e, apenas terra… a herdade tal… e a herdade tal…o arame a dividir…mas mais nada. De longe a longe a longe, lá aparece uma produção de trigo, outra de tomate, alguma vinha… mas muito pouco. Tirando as azinheiras, sobreiros e oliveiras, que já existem há muitos anos, é uma interminável planura abandonada e desaproveitada. Com as escolas a encerrar, como aquelas da Mina do Bugalho e de Monte Juntos que visitei, com a população a emigrar e os velhos a morrer, em pouco tempo o Alentejo será um grande desperdício de espaço. Aquela senhora que me acompanhou no museu da mármore foi-me dizendo, “aqui ao lado, os de Borba, ainda têm o vinho, nós, os de Vila Viçosa agarramo-nos ao mármore, veio a crise, não há comprador, já foram uma data delas para a falência e muitos para o desemprego” e estupidamente, como se já soubesse a resposta, perguntei se não havia trabalho na agricultura. “Não”, respondeu-me, “a terra está toda a monte”. “Mas tem dono”, insisti. “Tem, mas não quer saber”. Saltou-me agora à memória aquele bairro inteirinho por detrás da casa das Conchas, em Alcáçovas, de casinhas muito pintadinhas, todas à venda. Que tristeza. O Alentejo hoje poderia ser bem diferente. Ser mais populoso e fazer jus ao velho brocardo de ser o celeiro de Portugal. Bastava que não tivéssemos passado por estes medíocres governantes de direita que não descansaram, porque se encontram ao serviço dos grandes interesses, enquanto não acabaram com a mais espantosa e criativa realização colectiva do último século: a reforma agrária. Hoje, à semelhança da restante interioridade do país e de outras regiões igualmente pobres da Europa, acontece uma enorme desertificação, por culpa dos políticos e política de direita que persistem em dar razão ao velho “epigrama” de Afonso Duarte: ” Há só mar no meu país / Não há terra que dê pão”.
Guidões, 31 de Agosto de 2010.
Atanagildo Lobo.
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