Crónicas e opinião
Guerra Civil no PSD da Trofa – Parte II
“O afastamento de Jorge Campos, suspeito, terá feito soar os alarmes nos Paços do Concelho. Sobretudo entre os muitos militantes que foram nomeados para cargos na administração local, não pela experiência, currículo ou mérito, que não tinham, mas pela lealdade a Sérgio Humberto no decorrer do seu reinado.”

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Em Janeiro de 2024, escrevi um artigo intitulado “Guerra Civil no PSD Trofa?”, no qual antecipei algo que se tornava evidente para qualquer pessoa que acompanhasse as lides políticas trofenses.
Antecipei – e estava certo – que Sérgio Humberto não cumpriria o seu mandato à frente da CM da Trofa até ao fim, abdicando do trono trofense por um lugar no governo ou na Europa, com o qual Luís Montenegro premiaria a sua lealdade e empenho durante a campanha para as Legislativas.
Antecipei – e não me enganei – que o sucessor designado pelo então autarca seria Sérgio Araújo, tal era a desproporção da projecção mediática (em comparação aos restantes vereadores) que lhe era dada através dos canais de comunicação do município.
Antecipei – e verificou-se nas últimas semanas – que a possibilidade de uma lista de independentes feita de dissidentes do partido era uma hipótese altamente provável.
E, finalmente, antecipei que, entre os possíveis adversários do “herdeiro” há muito anunciado, estariam Luís Paulo e Isabel Cruz.
E foi neste último ponto que me enganei. Na antecipação dos potenciais principais adversários. Não por achar o professor António Azevedo menos competente que os restantes – na verdade, considero-o, de longe, mais competente para as funções que qualquer um dos três – mas por uma má interpretação minha do cenário de então, marcado por uma evidente hostilidade do humbertismo contra a presidente da Assembleia Municipal e contra o presidente da junta de freguesia da União de Freguesias de Bougado.
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O cenário que antecipei, verifica-se agora, tem contornos diferentes. Por um lado, Luís Paulo surge como possível n.º 2 da lista de independentes liderada por António Azevedo. Por outro, para grande surpresa minha, fala-se no nome de Isabel Cruz para a corrida à junta de Bougado ou até como n.º 2 de Sérgio Araújo. Em breve saberemos se se confirma.
Esta aparente divisão do PSD Trofa em duas facções, sendo a força de cada uma ainda difícil de determinar, parece remeter-nos para 2009, quando um sector de dissidentes do PSD, que incluía nomes como João Moura de Sá, Hélder Santos ou Paulo Renato, entrou em choque com o incumbente Bernardino Vasconcelos. A guerra civil de então teve como resultado a improvável vitória de Joana Lima num concelho onde o PSD era (e continua a ser) hegemónico.
E é por existir este histórico que me causa alguma estranheza constatar esta falta de união entre os Unidos pela Trofa.
E como sou alheio às dinâmicas no interior da concelhia do PSD, não farei especulações sobre as razões que levaram o aparelho a descartar António Azevedo, um autarca experimentado com provas dadas, escolhendo apoiar Sérgio Araújo, cuja experiência é curta e residual.
Mas registo isto: a votação que resultou nesta decisão foi decidida por apenas 14 pessoas.
Aquelas que integram a comissão política concelhia. Uma comissão política leal a Sérgio Humberto. Que tudo fez para, muito antes da sua partida, garantir que Sérgio Araújo era o vereador com mais exposição nos grandes eventos da autarquia e nas redes sociais que sempre foram mais suas que da autarquia que deveriam servir.
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Não se conhece ainda a equipa que Sérgio Araújo vai apresentar aos trofenses. Especula-se que poderá incluir Isabel Cruz e Duarte Araújo, actual presidente da FAP Trofa e um dos seus apoiantes internos, mas nada foi ainda oficializado.
Já do lado de António Azevedo, sabemos que a vereadora Lina Ramos e os presidentes das juntas de Bougado e do Coronado, Luís Paulo e José Ferreira, integrarão a lista.
Não surpreende a escolha de Lina Ramos. Apesar do low profile, é uma vereadora popular e não se lhe conhecem telhados de vidro. Coisa rara, para alguém que esteve tão próxima do campeão dos ajustes directos para amigos e militantes do partido.
Luís Paulo era também uma escolha expectável, não apenas pelo cerco que lhe foi feito por muitos dos seus companheiros de partido, que por mais do que uma vez o tentaram humilhar e condicionar na sua acção autárquica, mas por ser alguém cujo carácter presidenciável atormentava, há vários anos, a corte humbertista.
Já José Ferreira é, a meu ver, a grande surpresa que surge nesta candidatura. O que o terá levado a virar as contas ao seu partido, pelo qual foi eleito três vezes para a junta dos Coronados? Conseguirá arrastar consigo os mais de 2 mil votos obtidos pelo PS nas últimas autárquicas? Ou será penalizado por se aliar àqueles que, em tempos, acusou de prejudicar a freguesia que ainda lidera?
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A primeira baixa da guerra civil no seio do PSD Trofa foi Jorge Campos, um dos homens fortes do presidente que deixou o mandato por terminar para se transferir para o exílio de luxo em Bruxelas, que acabou exonerado por António Azevedo.
O afastamento de Jorge Campos, suspeito, terá feito soar os alarmes nos Paços do Concelho. Sobretudo entre os muitos militantes que foram nomeados para cargos na administração local, não pela experiência, currículo ou mérito, que não tinham, mas pela lealdade a Sérgio Humberto no decorrer do seu reinado.
Disso mesmo parece ter feito eco Miguel Costa, vogal demissionário da Comissão Política Concelhia (CPC) do PSD Trofa, que abandonou o cargo na sequência da polémica votação que escolheu Sérgio Araújo como candidato do partido, acusando a CPC de favorecer “interesses pessoais e compadrios”.
Que “interesses pessoais e compadrios” serão esses?
Querem ver que é desta que os trofenses vão descobrir os segredos mais mal guardados do poder local?
Uma coisa é certa: os “tachos” não chegam para todos, e anda por aí muito profissional da política que, mais do que não saber fazer mais nada, nunca soube o que era ter um emprego que não fosse uma nomeação motivada não por competência, mas por lealdade cega ao chefe.
“Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades.”?
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Surgiu recentemente um outdoor na via pública, financiado pelos impostos de todos os trofenses, que dá conta da intenção do executivo camarário de requalificar uma enorme quantidade de ruas do concelho. Na última edição deste jornal, Diamantino Costa, da Iniciativa Liberal, resumiu bem o “expediente”.
A concentração de obras públicas essenciais para o bem-estar e qualidade de vida das populações, nos meses que antecedem eleições autárquicas, é um clássico nos municípios portugueses, não apenas na Trofa. Mas não deixa de ser lamentável que seja a proximidade das eleições, não as necessidades reais dos trofenses, a justificar esta decisão.
Porém, e por muito que nos custe, este é exactamente o tipo de gestão que merecemos.
Enquanto continuarmos a temer e a fazer vénias aos senhores doutores políticos, ignorando os “interesses pessoais e compadrios” que os movem, não podemos esperar que nos tratem como adultos.