Crónicas e opinião
Folha Liberal: Não sei, não quero saber e não respondo
“Não há forma de dar a volta ao contínuo aumento da despesa quando os governantes não se preocupam com o como e onde gastam o dinheiro dos portugueses. Não sabem nem querem saber.”
Todos os anos, por esta altura, começamos a ouvir falar da elaboração do Orçamento de Estado. Todos os partidos têm muitas opiniões e todos os sindicatos fazem a habitual pressão para ver se conseguem uma fatia maior do bolo. O problema é que o “bolo” já está dividido.
O Orçamento de Estado é elaborado (a parte da despesa) tendo como base o que se gastou no ano anterior. De forma simples, podemos dizer que cada entidade que vive à conta do OE sabe que, no ano seguinte, terá, em princípio, pelo menos o valor equivalente ao que gastou efetivamente no ano anterior.
Isto faz com que nenhuma destas entidades queira deixar de gastar todo o dinheiro do seu orçamento. É lógico! Se, ao gastar menos, ficam com a certeza de que passarão a receber menos, então vão gastar tudo até ao último “tostão” para que o seu orçamento não diminua. É, por isso, sem surpresa, que, tão frequentemente, se vê estas entidades, no final do ano, a gastar dinheiro em coisas que não são necessárias naquele momento, só para esgotar o orçamento.
Um exemplo concreto talvez ajude a compreender… Imagine, caro leitor, que combina com o seu filho uma “mesada” de 100€. Ele vai gastando os 100€ e corre tudo bem. Mas, há um mês em que ele apenas gasta 90€. Todo contente, chega à sua beira e devolve-lhe os 10€. Da próxima vez que for receber a mesada, o caro leitor apenas lhe dá 90€, porque da última vez chegou. Parece óbvio que o seu filho nunca mais vai deixar de gastar o dinheiro todo, mesmo que o gaste em coisas desnecessárias. É isto que acontece com quem vive à conta do Orçamento de Estado.
Esta forma de fazer o OE não incentiva a que os gastos sejam “apenas” os verdadeiramente importantes e é, por isso, contestada por muitos.
Outra forma começou a ser desenvolvida na década de 1970, por Peter Pyhrr. O orçamento de base zero é uma metodologia na qual todas as despesas devem ser justificadas para cada novo período, começando do zero, em vez de apenas ajustar o orçamento anterior. Esta abordagem visa uma alocação mais eficiente dos recursos, eliminando gastos desnecessários e garantindo que cada despesa seja analisada e aprovada com base na sua necessidade e na sua eficiência.
Voltamos ao caso da “mesada” do seu filho. Em vez de lhe dar uma mesada, todas as vezes que ele precisar de dinheiro, o caro leitor terá que lhe dar o dinheiro que ele precisa. Em princípio, haveria um maior controlo nas despesas. Mas, até por este simples exemplo, percebemos que é muito difícil implementar este tipo de orçamento. Imagine a confusão que seria estar sempre a ter que pedir dinheiro para tudo e mais alguma coisa. Parece bastante caótico. E este tipo de orçamento tem outra desvantagem, do meu ponto de vista: no final, pode não haver um limite à despesa.
Ficamos então sem solução à vista. Um modelo incentiva a que se gaste tudo, o outro é demasiado difícil de implementar. Então, não há solução?
Na verdade, há uma solução, e chama-se “Exercício de Revisão da Despesa na Administração Central”. A revisão da despesa é um instrumento de gestão financeira pública que consiste num escrutínio detalhado, coordenado e sistemático da despesa base, com o objetivo de identificar poupanças decorrentes de melhorias na eficiência e oportunidades para reduzir ou redirecionar despesa pública não prioritária, ineficiente ou ineficaz.
Basicamente, o que se pretende é perceber se a despesa passa por seis testes: se o programa ou atividade continuam a servir o interesse público; se é legítimo ou necessário o papel desempenhado pelo Governo nesta área de atividade; se o papel atualmente desempenhado pelo governo é apropriado ou se pode ser descentralizado; se as atividades ou programas podem ser transferidos para o setor privado ou social (no seu todo ou parcialmente); se, continuando a atividade ou programa, a sua eficiência pode aumentar e, finalmente, não havendo dinheiro “para tudo”, quais os programas prioritários e quais os que podem, e devem, ser abandonados.
Este tipo de exercício começou a ser efetuado nos anos 80 do século passado, pela Dinamarca, sendo seguida pelos Países Baixos. Hoje, mais de 80% dos países da OCDE têm implementado processos de revisão de despesa.
Em Portugal, também já tentámos várias vezes. A primeira vez foi por imposição da “Troica”, mas nunca conseguimos implementar um processo destes, estando agora numa terceira tentativa de implementação, mais uma vez por imposição da UE.
O Tribunal de Contas fez uma auditoria a estes processos e chegou à conclusão de que foram experiências “episódicas e desconexas e não permitiram um desenvolvimento contínuo do exercício”. O Tribunal pediu aos ex-Ministros das Finanças informações acerca deste fracasso, mas Mário Centeno e João Leão nem responderam ao Tribunal, enquanto Medina respondeu a dizer que não respondia.
Não há forma de dar a volta ao contínuo aumento da despesa quando os governantes não se preocupam com o como e onde gastam o dinheiro dos portugueses. Não sabem nem querem saber.
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