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Crónicas e opinião

Extremistas e Chalupas

A sensação que fica é a de que existe uma parte significativa da população que se tornou de tal forma preguiçosa e servil a uma determinada agenda política, que deixou de questionar o que quer que seja.

João Mendes

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Não sei o que originou a polémica. Quando dei por ela, já as tochas ardiam nas redes sociais. Estava aberta mais uma frente no conflito ideológico em que se transformaram os Jogos Olímpicos de Paris. Mais um bizarro capítulo da grande guerra cultural que marca a actualidade.

O problema residia no género da boxista argelina Imane Khelif. Segundo vários especialistas em coisa nenhuma, formados na Universidade da Vida, Khelif não é uma mulher. É um homem biológico que mudou de sexo. E a sua vitória demolidora contra a italiana Angela Carini foi injusta.

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O caso assumiu proporções planetárias. E apesar da ausência de factos a suportar a teoria que garantia que a pugilista teria nascido homem, figuras públicas como J.K. Rowling e Elon Musk, ou políticos como Donald Trump e Georgia Meloni alinharam na lapidação da atleta argelina.

A verdade e os factos eram-lhes indiferentes. Apostaram todas as fichas na mentira e na percepção. Como é apanágio destas figuras.

O que sucede?
Sucede que Imane Khelif é mesmo uma mulher. Uma mulher biológica, como hoje se diz. Uma mulher heterossexual que compete em modalidades femininas desde criança. E longe de ser imbatível. Nos Jogos de Tóquio, foi eliminada nos quartos-de-final pela irlandesa Kellie Harrington. No ano seguinte perdeu a final do Campeonato do Mundo de Boxe Feminino contra outra irlandesa, Amy Broadhurst, uma das primeiras a sair em sua defesa.

Também Angela Carini veio a público distanciar-se das acusações dirigidas a Imane Khelif. Pediu desculpa e assumiu que se deixou levar pela emoção. Quem não teve a mesma decência foram os deputados João Almeida, do CDS, André Ventura e Rita Matias, do CH. E apesar de se perceber porquê, no caso dos deputados da extrema-direita, cujo modus operandi assenta na lógica populista das notícias falsas e da manipulação grosseira da opinião pública, ver um alto representante de um partido democrático alinhar nesta aberração é no mínimo penoso. E ajuda a explicar porque é que o CDS já só existe enquanto moleta do PSD. Até ao dia em que o PSD perceba que não precisa do CDS para nada e o CH engula o que resta do seu eleitorado.

A parte mais preocupante em toda esta polémica, a meu ver, diz respeito à facilidade com que uma mentira se transforma em verdade, sem uma base factual que a sustente.

A sensação que fica é a de que existe uma parte significativa da população que se tornou de tal forma preguiçosa e servil a uma determinada agenda política, que deixou de questionar o que quer que seja. Desde que o “facto alternativo” vá ao encontro das suas expectativas e convicções.

Porém, o caso olímpico é apenas um pequeno capítulo de uma obra mais vasta, da autoria da intelligentsia populista e neofascista, que tem em Steve Bannon uma espécie de guia espiritual. O ayatollah Khamenei dos fundamentalistas cristãos, que de cristão nada têm, limitando-se a usar a religião para manipular e garantir o apoio dos crentes. Crentes que, por algum motivo que me ultrapassa, já estão por tudo. Incluindo acreditar que Trump, o homem que pagou a uma actriz pornográfica por serviços sexuais, enquanto a sua esposa estava em casa grávida do seu filho mais novo, é um digno representante da sua fé. A tal preguiça mental de que vos falava há pouco.

E que outros capítulos tem esta opereta da aldrabice?

São já tantas, as teorias da conspiração, que não cabem todas aqui.

São os líderes ocidentais que são satânicos. É a pandemia que foi forjada para nos escravizar. São as alterações climáticas que afinal não existem. É a agenda LGBT que quer “homossexualizar” as crianças. E o plano da UE para substituir a população caucasiana por árabes.

Enfim, há chalupices para todos os gostos.

E chalupas com fartura para acreditar nas mais absurdas conspirações.

Com esta gente, todo o cuidado é pouco. Não descansarão enquanto não transformarem a Europa num viveiro mini-Rússias.

O grande mecenas deste populismo chalupa chama-se Xi Jinping. E tem como homem de mão Vladimir Putin, que, por sua vez, tem Trump, Orbán e toda a extrema-direita europeia no bolso. Nuns casos porque financiou a sua ascensão, noutros por mero alinhamento ideológico.

Percebe-se porquê: ninguém deseja tanto uma cisão no Ocidente, e a reeleição de Trump em Novembro, como o eixo totalitário que inclui China, Federação Russa e Coreia do Norte, cujo líder, o tresloucado Kim Jong-un, foi literalmente legitimado por Donald Trump. O próprio Irão, tendo em Trump um interlocutor mais hostil, sabe que Pequim e Moscovo estarão lá para lhe dar cobertura.

Isto ajuda a explicar porque Rússia e China continuam a ser os países de origem do grosso da desinformação que circula e condiciona eleições e o regular funcionamento das instituições do mundo ocidental.

Vejamos o que se passa, por estes dias, no Reino Unido: uma notícia falsa, que avançava que o assassino de 3 crianças na cidade de Southport era um imigrante requerente de asilo, quando, na verdade, se tratava de um cidadão britânico nascido e criado no país, colocou o país a ferro e fogo.

Os motins sucedem-se, organizados por criminosos neo-nazis e ultraconservadores, que conseguiram transformar uma notícia falsa, factualmente desmentida de forma irrefutável, na culpa colectiva de imigrantes e muçulmanos, táctica habitual destes extremistas, que de resto remonta à Alemanha Nazi e a actos de puro terrorismo como a Noite de Cristal ou Incêndio do Reichstag. A história repete-se, uma e outra vez.

A elite extremista que se agiganta na Europa tem uma estratégia clara: fomentar a divisão, a discórdia e o conflito, para emergir como a solução que trará a ordem e a tranquilidade. Mas nós sabemos em que consiste a ordem e a tranquilidade dessa gente: traduz-se em prisões arbitrárias, polícias políticas, assassinato de opositores e supressão da separação de poderes e do Estado de Direito.

Deixei o melhor para o fim e termino com o tema religioso que verdadeiramente interessa e que não atrai extremistas ou chalupas: faltam 2 dias para arrancar a edição de 2024 das Festas em Honra de Nossa Senhora das Dores, este ano organizadas por Valdeirigo.

As Festas arrancam no Sábado, com a tradicional procissão de velas, têm um cartaz interessante e diversificado que inclui os trofenses Miguel 7 Estacas, João Marques, Xavier, Júpiter, Conjunto Típico do Val, Sons e Cantares do Ave, Orquestra de Ritmos Ligeiros, Orquestra Urbana da Trofa e, claro, a Banda de Música da Trofa. A Majestosa Procissão acontece no Domingo, 18 de Agosto.

Importa sublinhar que ainda vão a tempo de ajudar a comissão. É cada vez mais difícil organizar as nossas festas, seja porque faltam pessoas e porque os donativos são cada vez menos, e todos podemos fazer algo para garantir que se mantém vivas por muitos e bons anos. Em todo o caso, é fundamental que comecemos a pensar que futuro queremos para as Festas. De ano para ano, a situação está cada vez mais insustentável.

Até Setembro, boas Festas e boas férias!

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