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Crónicas e opinião

Escrita com Norte: Eu sou Trofense

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Nessa noite ouvi: – Sou mais trofense do que tu! Sempre vivi aqui.
Se calhar tinha toda a razão na questão temporal/espacial…literalmente!
Apesar de os meus pais serem da Trofa, eu fui concebido em Viana do Castelo, na lua-de-mel. A ser verdade, os meus primeiros dias de embrião foram passados fora da Trofa. Ao fim do tempo normal de gestação, a jovem Tininha, foi-me ter a Famalicão, onde vivi, no hospital, os meus primeiros dias, e, finalmente, vim viver para a Trofa aos três dias de vida com o estatuto de ser humano. Desde então, sempre fui para fora, por vezes em trabalho, mas quase sempre de férias.
Se o critério medidor de afinidades for o tempo, essa pessoa certamente é mais trofense do que eu, mas como é que alguém que nunca saíu do seu “ninho” pode dizer tal coisa?! Chega a ser tão absurdo como a passagem biblica em que Adão diz: – Eva, nunca amei tanto uma mulher como a ti!
Mas o dia começou normal, a sair da cama cedo!
Lavo a cara e de seguida, como quem segue uma check-list, abro a portada da janela e vejo o Sr. Libório a passar na rua, na sua “pasteleira”, com umas couves amarradas à mesma. Esta “cena” faz-me esboçar o primeiro sorriso, que limpa qualquer réstia de mau humor. Acelero o passo e mais ou menos meia hora depois estou a sair de casa.
Depois de fazer a Avenida de Paradela, ao entrar na estrada junto ao “Mirandinha”, avisto a dona Maria, senhora com quem me cruzo quase sempre no Carqueijoso, às oito em ponto, ocasião que aproveito para acertar o relógio
 – Poça! Estou atrasado! – e em concordância com o pensamento, acelero até uns estonteantes e sonolentos 40 km/h. As pessoas com quem me cruzava olhavam para mim com admiração, estava nitidamente fora de tempo, como já me tinha apercebido quando vi a dona Maria!
Ao final do dia, de regresso a casa, vindo de Lousado, ia olhando para a margem do rio Ave do lado da Trofa e associava a outras imagens que tenho em mente da nossa cidade vista dos montes que a circundam…até chegar à estrada nacional a Trofa oferecia-se quase perfeita, de repente…uma buzinadela, seguida de outra e começou o “festival”. Estava ansioso de atravessar o sítio onde outrora foi a Ponte Pênsil da Trofa, substituída pela Ponte de Ribeirão, e é a partir daqui que imagino o que a Trofa poderia ser. Imagino que atravessei uma ponte ao lado da Pêncil, subo em direcção ao Carqueijoso e tomo a direcção do Ciclo, na encruzilhada do antigo pontilhão imagino aquelas casas de pedra antigas, o cruzeiro e o casario em direcção à Igreja Matriz, protegidos do abandono e vejo-as recuperadas. Mas a minha intenção é passar na antiga estação, e admirá-la, e ao seu largo onde tudo começou e era ponto de partida e chegada para os trofenses e para quem vinha de fora, e eram acompanhados pelas fachadas antigas das casas que descem rua abaixo até ao Largo de S. Martinho! Ao descer a rua, continuo com o hábito de olhar à direita para encontrar o Celeiro, edifício imponente e marcante que identificava a minha terra, que deixaram deitar abaixo para construir mais um prédio, igual a qualquer um outro na Amadora, no Mogadouro, …
Quando chego ao Largo S. Martinho, o meu desejo é sempre o mesmo, declarar toda aquela zona como “reserva histórica”!
Entristecido pela ausência do que já não existe, vou directo ao café S. Martinho. Sentado na mesa, vêm-me perguntar:
– Café, Calheiros?
– Não David. Quero aquele quadro com a fotografia do Celeiro! – peço, apontando para a parede.
Sem se admirar, como se já fosse comum aquele pedido, o David tira o quadro da parede e traz-mo para a mesa. Fico a admirar a imagem desse edifício, onde em criança tive as primeiras aulas de ginástica e fiquei a saber que não tinha jeito para fazer a roda e evitava a espargata, mas era muito bom a rebolar! Era daí que muitas vezes, à noite, ouvia os sons da nossa banda a ensaiar!
– Psssst, psssst! David! – chamei.
– Café? – pergunta-me.
– Não. Tens alguma fotografia dos coretos?
– Dos coretos, não. Mas tenho do antigo Cine-Teatro Alves da Cunha!
– Não, deixa estar! Felizmente, esse edifício ainda posso ver.
Depois de pagar o consumo do quadro, meto-me no carro e só páro no Miranda. Entro e sento-me ao fundo, de costas viradas para a sala.
– Boa tarde, vai ser o costume? – pergunta-me o Sr.  Carlos.
–  Olá, boa tarde! Não Sr. Carlos, quero aquele quadro com a fotografia do Parque com os coretos!
– É para já. – respondeu-me com a mesma naturalidade a quem lhe pede o jornal!
Já com o quadro na mão, fico a contemplar os coretos e vejo-me a mim e a muitas pessoas que, aos sábados à tarde na festa da Sra. das Dores, assistiam às actuações da nossa banda e da banda convidada.
Ao fim de algum tempo levanto o braço e o Sr. Carlos, lesto, aparece.
– Vai um bola de berlim?
-Não Sr. Carlos, obrigado! Traga-me o quadro da ponte Pêncil, se faz favor.
– Esse agora está ocupado.
Admirado com a resposta, voltei-me para a sala e reparei que quase todas as pessoas acompanhavam o seu café ou chã, com um quadro do que a Trofa já foi … e com saudades do que pode vir a ser!

Mais que o tempo, são as memórias que nos prendem, seja ao que for, e as pessoas, que mesmo inconscientemente, marcam o nosso ritmo!

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