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Crónicas e opinião

Escrita com Norte: Doce ilusão

“Sem nos apercebermos, a maior parte de nós vive em estados de “doce ilusão”, provocados, creio eu, principalmente, pelas nossas mães.”

José Calheiros

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De uma forma geral, cada indivíduo, cada um de nós, tem-se em boa conta. Não raras vezes vejo mulheres “volumosas” a exibirem as carnes que o top não tapa, seguras de si, e ouço e vejo homens, em posse de “galo”, a dizerem: – Elas não me resistem!

E não raras vezes, de seguida, penso: “Poça, com esse aspecto?! Se fosses como eu, como seria?!”.

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Sem me aperceber, também me estou a ter em demasiado boa conta! E o ter-me em “boa conta” continua no futebol aos sábados à tarde, onde tenho a certeza que a minha equipa, sem mim, teria um rendimento francamente menor; no grupo com quem ando de bicicleta, onde sou inegavelmente o mais bonito (mas sou mesmo, os outros são feios e alguns muito gordos)… e no ginásio, onde o ponteiro da balança marca o peso de um corpo que parece uma máquina bem oleada…

Ainda assim, nunca conheci ninguém como um amigo de infância, que “atacava” (como a raposa o galinheiro) todas as miúdas, e que levava uns valentes “Nãos” de 98% delas, mas a sua auto-estima ficava sempre intocável! Certo é, que o estado deste amigo, assumia, para mim, contornos de doença.

Sem nos apercebermos, a maior parte de nós vive em estados de “doce ilusão”, provocados, creio eu, principalmente, pelas nossas mães.

Quando nascemos, enrugados, de cor estranha e pouco bonitos, para as nossas mães somos “A coisa mais linda”, sendo parecidos com o pai ou a mãe, chegando algumas ao ponto esquizofrénico de achar o rebento parecido com o bisavô!!!

Bebé não se parece com nada…apenas com outros bebés.

Mas durante o nosso crescimento, o amor de mãe vai alimentando a nossa “doce ilusão”. Ela vê-nos como os mais bonitos, os mais inteligentes, os traquinas mais fofos,… e mesmo quando somos gordos, acha-nos fortezinhos, e só olhos maldosos nos podem achar “gooooordos”, pois somos uns “filhos de ouro”!

A única excepção que conheço, é Dália, mãe de Adélio Dani, que numa ocasião, quando o filho lhe pergunta se é bonito, ela não responde, por achar feio mentir!

Esta passagem é de uma estória que escrevi, e que fará parte do meu segundo livro (quando sair…um dia) e me transporta para o final de tarde de um destes dias.

No fim do meu treino, no ginásio, vou à balança pesar-me. Após o ponteiro parar e de verificar o peso, tendo-me em “boa conta”, comento baixinho: – Boa rapaz, mais atlético…, mais músculo, logo, mais peso!

Depois do ritual no balneário, olhar-me ao espelho de diferentes ângulos, tomar banho, voltar a olhar-me ao espelho de diferentes ângulos e vestir-me, fui a casa dos meus pais.

Triiiiimmm! – Toco à campainha e abre-se a porta. Do outro lado está a minha mãe.
Após os cumprimentos de mãe e filho, num jogo psicológico de risco, comento:

– Mamã, estou mais gordo! – ironizo com os quilos a mais de músculo, fruto de treino intenso.
Após uma pausa, a minha mãe responde:

– Estás nada filho, estás jeitoso, como sempre!

A pausa eterna, de cerca de dois segundos, para dar a resposta, foi um choque brutal: ”Estou gordo”! Chegado a casa, deito-me e tenho duas alternativas; ou voltar atrás no tempo, até à época em que gordura masculina era sinal de ostentação, ou ter regra e recuperar a “linha”.

Após breve ponderação, pus de lado a hipótese de voltar atrás no tempo e elegi a recuperação da “linha”…porque a minha mãe quebrou a minha “doce ilusão”!

Mantenhamo-nos em boa conta desde que o choque com a realidade não nos deprima!

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