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Crónicas e opinião

Escrita com Norte: Dependências

“Eu preferia estas drogas em estado natural, que me faziam delirar e ressacar em linhas escritas num qualquer papel! Amigos diziam-me: – Tem cuidado! – ao que respondia como qualquer drogado que pensa ter o vício controlado: – Eu conheço-as muito bem!”

José Calheiros

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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…e os vícios! Correcto?
Nos tempos em que era bebé, diz a minha mãe, eu só pensava em mamar e dormir…isto, quando não me dava para acordar todo o agregado familiar, sempre depois da uma da manhã e nunca depois das seis!

Apesar de não ter memória de mim nessa idade, posso afirmar com certeza absoluta, que foram os tempos mais felizes da minha vida! Não me interessava o dinheiro, as miúdas e muito menos o futebol.

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Uma mama plena de leite e um regaço quente chegavam-me, e toda a “borrada” que eu fazia era encarada com um sorriso!

Comecei a crescer, abandonei a teta e as longas horas de sono. Aos três anos só queria brincadeira e massacrava os adultos com a pergunta: – Porquê?!

Mais tarde, entre os seis e os dez anos, fui possuído pela ambição. A chupeta já não me chegava. Sempre que me perguntavam o que queria, invariavelmente respondia: uma pista de carros, uma bola e… Mas queria mais e mais, e sem ter noção disso, estava dependente dos bens materiais e só eles me traziam satisfação, apesar de momentânea. Queria o He-man, hoje, mas amanhã já queria a nave da Galáctica…!

Como um drogado, os meus pedidos de brinquedos lapidavam as economias da família e deixavam a minha mãe saudosa dos tempos em que era viciado em leite, por ela própria produzido, e em colo ou cama!

A partir da pré-adolescência, comecei a frequentar um sítio maldito, o salão de jogos “2002”…isto em 1985. Lembro-me de na altura, fazer as contas e pensar, “Em 2002 terei 29 anos. Que velho!!”

Neste antro de vício fiquei “agarrado” aos matraquilhos, que me consumiam o tempo. A partir de 1989, os matraquilhos já não me satisfaziam e desencaminhado por um amigo, um daqueles rotulados como “má companhia”, experimentei o bilhar! Pagaram-me a primeira partida…e fiquei logo “agarrado”.

Alternava as partidas de bilhar com partidas de cartas, onde ganhava dinheiro para o desbaratar de seguida.

Amigos meus, numa espiral de decadência, levaram o vício mais longe, tendo ficado vidrados nas máquinas de jogos, principalmente no Pac-Man. O Tozé nunca mais recuperou, está um farrapo humano! Estaciona carros no Parque Senhora das Dores, para gastar as moedas amealhadas no “Super Mário”.

Algures, nesta fase de jogatina, fui substituindo o vício do jogo pelo vício da troca de afectos. Esta nova “droga” fazia-me levantar os “pés do chão” e estava decidido a deixar as outras (drogas). Só ocasionalmente partilhava uma partida de matraquilhos…mas apenas com um bom amigo!

Esta nova droga apresentava-se sob várias formas: ora cheiinhas, ora esguias, ou então mais velhas, ou mais novas…independentemente disso, ou gostava delas… morenas!

Conhecidos meus, desta altura, iam adquirir esta droga a dealers, que a importavam principalmente das “plantações” do Brasil e da Colômbia.

Eu preferia estas drogas em estado natural, que me faziam delirar e ressacar em linhas escritas num qualquer papel! Amigos diziam-me: – Tem cuidado! – ao que respondia como qualquer drogado que pensa ter o vício controlado: – Eu conheço-as muito bem!

Sem me aperceber acabei por bater no fundo. Na lista telefónica já anotava as Anas na folha para a letra “Z” e as Carlas na folha para a letra “X” e facilmente trocava-lhes os nomes. Esta droga, chamada de mulher, estava-me a fazer mal à cabeça!

Aos 23 anos, quando me sentia no meio de um túnel, em plena noite, em que não havia luz na saída, fez-se dia, quando a conheci!

Outros amigos e conhecidos, descobriram a metadona, para substituírem as drogas duras, enquanto eu, substituí a minha lista telefónica por outra, de apenas uma folha e uma linha para a letra “C”!

Mas havia um ou outro triste, que nunca se tinha viciado em nada, nem sequer numa qualquer estúpida colecção de “qualquer coisa”!

Mas, longe de imaginarmos, no mundo algo iria mudar e apanhar todos no mesmo vício, uma nova droga sintética…”As Redes Sociais”!

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