Crónicas e opinião
Dia 10, defenda a Democracia
“Dia 10, não fique em casa. Vote. Tem mais opções que nunca. Seja ecologista, conservador, liberal, social-democrata ou socialista. Existem muitas formas de defender a democracia”, escreve João Mendes.
A democracia faz-se de alternância. É, aliás, o único sistema que a permite. Uma das muitas vantagens de viver em liberdade.
Não foi o caso da ditadura do Estado Novo, durante a qual todos os partidos políticos eram proibidos, os opositores presos, torturados e assassinados, e o pensamento único imposto pela força.
Um tempo de má memória, marcado pelo analfabetismo, pela fome, pela miséria, pela brutalidade da guerra colonial e da polícia política.
E, nunca é demais recordá-lo, foi durante o Estado Novo que a corrupção, o tráfico de influências e o conluio entre política e negócios teve a sua origem. Salazar entregou os negócios do Estado à elite económica da altura, com destaque para a família Espírito Santo. E financiou-as com generosas rendas estatais. A diferença é que a comunicação social não ousava denunciar os casos. Até porque era integralmente controlada pelo regime.
Aliás, as festas da elite económica e financeira eram frequentadas pelos mais altos dirigentes do regime fascista. Festas que, sabemos hoje, negavam a virtude moral e cristã apregoada pelo regime, tendo o seu expoente máximo no escândalo Ballet Rose, que juntou elite política, económica e até religiosa em orgias com prostituição e pedofilia à mistura.
O mito do homem que morreu pobre é outro dos grandes embustes criados em torno do culto salazarista. Dos 81 anos que viveu, foi sustentado pelo Estado durante 42. Com assessores, motoristas, governantas e todo o tipo de criados ao seu dispor, Salazar viveu rodeado de luxos. Habitava o Palácio de São Bento e veraneava no Forte de Santo António, no Estoril.
Mesmo após a queda da cadeira, quando o poder lhe começou a escapar, Salazar teve à sua disposição uma ala inteira do sexto piso da Casa de Saúde da Cruz Vermelha de Benfica, isto num tempo em que a esmagadora maioria dos portugueses nunca tinha visto o interior de um hospital.
Salazar não viveu nem morreu pobre. Isto não é matéria de opinião. É factual.
Voltemos à alternância democrática.
Após vários anos de governação do Partido Socialista, é natural que o tabuleiro se inverta e que suba ao poder uma solução de direita.
Enquanto eleitor que vota à esquerda, não me choca que a direita democrática governe. Não é a solução que desejo, mas tenho a convicção de que, no essencial daquilo que é o jogo democrático, as regras não serão subvertidas. Compete à esquerda afirmar a sua alternativa para o ciclo político seguinte.
Fora deste espectro de previsibilidade, base das democracias liberais ocidentais, está o partido CH, que, na verdade é uma espécie de unipessoal de André Ventura, tal é o culto da personalidade que existe em torno do líder. Como acontecia com Salazar.
Aliás, esse culto é uma variável comum aos autocratas da área política de André Ventura, como acontece com Vladimir Putin, o carniceiro russo. Ou mesmo Trump e Bolsonaro, que, perante a derrota eleitoral, tentaram um golpe de Estado, felizmente falhado. Noutras latitudes, como a Hungria ou a Polónia, regimes governados por dirigentes da mesma extrema-direita que Ventura empurraram os seus países para a autocracia, a corrupção e a subtração de direitos.
Orbán é hoje um emissário de Putin no Conselho Europeu. Já o PiS de Mateusz Morawiecki foi derrotado em 2023, graças a uma grande coligação que juntou partidos tão diferentes como os homólogos do PSD e do BE. Eu sei que soa estranho, mas quando a democracia está em jogo, a liberdade sobrepõe-se às ideologias.
André Ventura e o seu partido são uma ameaça ao sistema. Esse sistema chama-se Democracia. É esse o único sistema que Ventura combate. O outro, o dos negócios, é o sistema que o sustenta. Entre os seus principais doadores estão membros das famílias Mello e Champalimaud, altos oficiais do Grupo Espírito Santo, como Salvador Posser de Andrade e Francisco Sá Nogueira, e uma série de empresários ligados a negócios com o Estado. Para além de salazaristas, negacionistas da ciência e das alterações climáticas, criminosos condenados e até ex-dirigentes neonazis. Isto é público, factual e está documentado.
Dia 10, não fique em casa. Vote. Tem mais opções que nunca. Seja ecologista, conservador, liberal, social-democrata ou socialista. Existem muitas formas de defender a democracia. Um voto no Chega é um prego no seu caixão.
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