Edição 587
Crónica Literária Mente: O bloqueio do escritor
Polémico este assunto. Digo-o porque é um daqueles temas em que existe uma opinião generalizada. A vida ensinou-me que, generalizar, “geralmente”, dá mau resultado.
O bloqueio do escritor é algo que, teoricamente, todos os escritores sentem, mais cedo ou mais tarde. Quando comecei a escrever com mais frequência, sentia-me imune a este facto. As ideias fluíam a toda a hora, o puzzle das histórias construía-se sozinho na minha mente e a minha maior dificuldade era em lidar com todas as ideias e conseguir dar-lhes uma ordem.
Hoje percebo como eu também tinha um bloqueio de escritor. E foi desta forma – pela experiência – que aprendi que a opinião generalizada está errada. Ou incompleta.
Todos nós já vimos – ou sentimos – o bloqueio de escritor. Mesmo num filme, ou numa série. A pessoa sentada ao computador, ou junto à maquina de escrever ou mesmo numa simples folha de papel. Faz sons com a boca, dá murros na mesa. Escreve e apaga. Escreve e apaga. O ponteiro do processador de texto vai piscando, contando os segundos, quase gozando com quem não consegue ter uma ideia. As folhas acumulam-se no caixote ou mesmo no chão.
Digo que a opinião é incompleta porque… Não nos questionamos qual é a origem deste bloqueio. Há quem diga que não consegue ter ideias. Que lê livros, ouve histórias, e nunca poderia ter pensado naquilo. Ou seja, um bloqueio por falta de ideias.
Há os outros, como eu, que têm excesso de ideias. E não conseguem escolher apenas uma, ou algumas para dar atenção. As vezes temos duas ideias que pensamos ser tão boas, mas que são incompatíveis, que começamos a escrever mais do que um manuscrito. E perdemo-nos no meio de tanto trabalho. Estamos bloqueados porque raramente avançamos.
Então… Como corrigir este comportamento? Como mudar?
Vai depender sempre da nossa maneira de ser, da forma como estamos na vida e mesmo na escrita. Algumas soluções que podemos tentar e testar passam por sairmos da nossa zona de conforto. Sairmos do local onde costumamos escrever, escrevermos com outro método, mudando do papel para a tecnologia. Ou mesmo marcando um café com alguém diferente, visitar um local novo. Tudo o que possa estimular a criatividade é bom.
O segundo bloqueio já exige outro tipo de trabalho. Mas, quanto a este, parece-me mais simples. Escolher uma ideia, ser persistente e terminá-la. Só assim poderemos desenvolver trabalho em quantidade e qualidade. Nunca sacrificando uma em prol da outra.
Livro da Quinzena:
A Sorte Grande, Ferran Ramon-Cortés. Devorei este livro em cerca de uma hora e meia. É pequeno, muito leve, com um tipo de letra considerável, mas o ensinamento é tão bom, tão rico (vão perceber que este adjetivo tem alguma piada), que saltou logo para o top dos livros que mais me ensinou. De forma simples. Às vezes, é a melhor maneira.
Literariamente, estamos conversados.
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