Crónicas e opinião
Crónica do Toni (parte I)
“Nestes quase 45 anos de vida, Toni não viveu, sobreviveu. Um dos seus problemas é dar de “beber” à mota para as suas deslocações. Nas descidas desliga sempre o motor e quando entra em estrada plana deixa a Famel ir até onde o embalo a leve e quando esta está quase a parar impulsiona o corpo para a frente em movimentos contínuos para a fazer andar mais uns metros. “
Toni é o maior do seu bairro, aliás o segundo.
O maior é o Nel, olhado por todos com admiração por ser o mais bem sucedido da zona. Casado e com sete filhos, mora numa habitação social e tem um pormenor de classe nesta comunidade, Nel tem emprego, aliás, um part-time, na lavandaria da freguesia vizinha, onde, além de um ordenado, também lavam a roupa da sua família a um preço simbólico. Sempre foi a família mais limpinha do bairro.
Bem, centremo-nos na nossa personagem.
Toni é um rapaz mal parecido, mas o espelho mente-lhe. Ele acha-se o máximo, usa penteado à Paulo Bento, tem rosto fino e magro, pernas arqueadas, demasiado magro, que ele confunde com elegância, tem uma ligeira corcunda, calça 46 e mede 1,69 metros. Com 44 anos, e prestes a fazer 45, poucos lhe dão menos de 52.
O seu estilo ficou irremediavelmente marcado nos anos 80 por três acontecimentos; a liderar, a sua primeira experiência sexual; o segundo, quando viu o filme “Ases indomáveis”, passando desde então a usar óculos escuros à aviador e casaco de napa, que ele dizia ser de couro, cheio de emblemas colados, faltando-lhe apenas uma mota para ser uma cópia de Tom Cruise. O terceiro acontecimento aconteceria três meses depois de visionar este filme, quando o seu pai, ao deslocar-se de manhã cedo na sua motorizada ao centro de emprego, é surpreendido por um coelho que atravessa repentinamente a estrada. Para evitar o atropelamento, o Sr. Narciso trava a fundo e é projectado, indo embater com a cabeça numa cabine telefónica, provocando-lhe um galo, faz ricochete e cai sobre o ombro à beira da motorizada, partindo a clavícula.
Neste momento o Sr. Narciso abre os olhos e vê o coelho a ser atropelado por um camião na outra faixa da estrada.
Quando chegam os bombeiros, o Sr. Narciso apenas se queixa das dores intensas no ombro, tendo sido no hospital apenas tratado à fractura da clavícula . Foi mandado embora e dois dias depois morre em casa, vítima de traumatismo craniano. Toni herda a Famel do pai, que escapou ao acidente sem um arranhão, e a alegria em ter uma motorizada era superior à tristeza de ter perdido o pai.
Neste momento, ano de 2024, Toni ostenta o mesmo estilo e continua um homem cheio de moral, mesmo nunca tendo conseguido levar uma rapariga para sair com ele e nunca tendo recebido um elogio do estilo, “tu és tão bonito” ou “ hoje estás giro”, nem mesmo “Até és engraçadinho”, nem a dona Alzira, sua mãe, o elogiava, porque achava pecado mentir.
Dela, além do leite materno, Toni só recebeu porrada e sempre a triplicar, porque o sonho de dona Alzira era ter três filhos e quando o seu filho único fazia asneiras, e eram muitas, sua mãe descarregava tudo nele como se estivesse a repartir a porrada por três, dizendo “Levai seus malandros…”.
Nestes quase 45 anos de vida, Toni não viveu, sobreviveu. Um dos seus problemas é dar de “beber” à mota para as suas deslocações. Nas descidas desliga sempre o motor e quando entra em estrada plana deixa a Famel ir até onde o embalo a leve e quando esta está quase a parar impulsiona o corpo para a frente em movimentos contínuos para a fazer andar mais uns metros. Só depois volta a ligar o motor da motorizada, voltando o barulho e a fumarada a sair pelo escape. Tanto barulho e fumo faz com que todos olhem para ele e a moral de Toni é tanta, tanta (supera a de Casanova), que pensa ser a sua classe o alvo das atenções. Pensa que eles olham por inveja e elas por fascínio.
Toni pouco trabalhou. Estudar? Estudou 4 anos, tendo repetido 4 vezes a 1ª classe. Entrou para a escola com 10 anos, porque certo dia uma vizinha de dona Alzira pergunta por ele:
– Então Zirinha, que tal vai o Toni na escola? Já está na 4ª classe?
– Chiça! -Retorquiu dona Alzira, batendo com a palma da mão na testa – Esqueci-me que ele tinha que ir para a escola!
Toni, devido à idade tardia com que entrou no sistema de ensino, era o maior, mas também o mais burro, sendo facilmente manipulado e influenciado pelos mais putos. Sempre que os seus colegas faziam asneiras, deitavam-lhe as culpas, por isso ele estava sempre de castigo no canto da sala e com orelhas de burro colocadas pela professora Maria, fria e implacável, que escondia um coração doce e romântico, onde guardava um amor secreto…
(continua)
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