Edição 494
Contradições Orçamentais
É interessante verificar que, no Orçamento de Estado para 2015 (OE15), o ministério mais fustigado pelos cortes seja o da Educação, que regista uma considerável redução de 11,3% face a 2014 (menos 704 milhões de euros), ao passo que o ministério que regista o maior aumento de verbas disponíveis seja o da Defesa, cujo orçamento aumenta em cerca de 39 milhões de euros.
A questão da Educação é particularmente grave e contraditória: apesar dos inúmeros problemas com que o ministério se depara, a que se juntam os recentes casos de manifesta incompetência e, citando Nuno Crato, “experimentalismo” que levaram ao caos no processo de colocação dos professores, entre outros constrangimentos que marcaram o início do corrente ano lectivo, o Governo prepara-se também para aumentar as transferências para o ensino privado, ou seja, parte do bolo orçamental que o público irá perder acabará nas mãos de instituições privadas às quais nem qualquer aluno tem acesso, apesar dos vários milhões que todos os anos recebem do Estado, provenientes do erário público que a todos pertence.
Paralelamente, e apesar do anúncio ficcional do Governo relativamente à redução da despesa, uma leitura do OE15 demonstra claramente que os consumos intermédios dos ministérios continuam a aumentar. A gravidade desta questão é tal que o próprio porta-voz não oficial do Governo, Marques Mendes, afirmou, no seu espaço de opinião na SIC, que “os consumos intermédios, as gorduras do Estado, aumentam mais 3%”, rematando com um esclarecedor “Os ministérios, de um modo geral, estão satisfeitos, gostam sempre de ter mais dinheiro para gastar”.
Convém clarificar que foi a estes mesmos consumos intermédios (as famosas “gorduras”) que as tropas de Passos Coelho apontaram baterias no passado de oposição ao anterior Governo e que, entre outras rúbricas, dizem respeito a gastos com estudos, pareceres, consultadoria/assessoria ou telecomunicações. Custos que alimentam clientelas, algumas delas representadas na bancada da maioria no Parlamento. Tenham este dado em consideração da próxima vez que ouvirem falar em “reforma do Estado”, essa miragem que continua a assentar essencialmente no aumento de impostos às famílias e nos cortes em salários, pensões e prestações sociais.
No passado dia 18 de Outubro, o jornalista Luís Pedro Nunes fez uma referência interessante às acusações de eleitoralismo que pendem sobre o OE15, afirmando que “o único eleitoralismo que me parece que este orçamento tem é dizer que não é eleitoralista, sendo que por isso é eleitoralista”. De facto, e à parte do conveniente mas residual aumento do salário mínimo, expectável e habitual em orçamentos pré-eleitorais, este orçamento não é eleitoralista. É um orçamento que agrava a pressão fiscal sobre os contribuintes, prejudicando ainda mais o consumo e a receita tributária, que corta severamente em áreas fundamentais como a Educação, Justiça ou a Agricultura, que diminui as prestações sociais e que, paradoxalmente, permite que as “gorduras” se continuem a acumular num Estado obeso para as clientelas e cada vez mais anémico para responder às necessidades reais dos portugueses. Um orçamento fiel a uma agenda ideológica de esvaziamento das funções do Estado que reduz o sector público à indigência, reforça a posição do capital e que, citando críticas de Passos Coelho ao Governo Sócrates em 2011, se esforça por “alienar participações como quem vende os anéis para ir buscar dinheiro”. Contradições que fazem pensar, não acham?
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