Edição 661
Casa nova, Língua nova
De entre os obstáculos que um emigrante tem de enfrentar quando chega ao país que o vai acolher, aprender a Língua é um deles. Vinte e um de fevereiro marca o Dia Internacional da Língua Materna e para assinalar a efeméride o jornal O Notícias da Trofa encontrou quatro pessoas – um brasileiro, um guineense, um russo e uma ucraniana – que se fixaram no concelho ou arredores e quis saber como foi o processo de aprendizagem de uma nova forma de comunicar.
É normal tomar-se como fácil a adaptação de um brasileiro a Portugal ou vice-versa. A Língua é a mesma, a pronúncia facilmente se compreende, a conversa flui e… não. Não é bem assim. A não ser que um brasileiro ou um português esteja há algum tempo no outro país, compreender a linguagem não é “pera doce”. Que o diga José Araújo, brasileiro nascido no Rio de Janeiro, português há 45 anos. Filho de portugueses emigrados na terra de Vera Cruz, José conheceu uma nova realidade aos dez anos. Veio para um Portugal ainda subjugado a um regime ditatorial, em 1973, com os pais e irmãos, porque os primeiros quiseram regressar à terra natal.
A integração não foi fácil. Primeiro pelas condições de vida, pois debateu-se com uma casa sem casa de banho, mas sim com “um barraco com uma sanita de madeira” e no lugar do chuveiro havia “uma bacia” para tomar banho. “No Brasil tinha tudo”, contou. Como estava habituado ao clima tropical, José Araújo sentiu dificuldades em adaptar-se nos meses de frio e até a comida “era diferente”.
Mas a estas dificuldades juntou-se outra: a Língua. “Tive dificuldades em adaptar-me à forma de falar português aqui. Era estranho perceber palavras e nomes de coisas que eu não conhecia. Para mim frigorífico era geladeira, fato era terno, comboio era trem, chávena era xícara”, explicou.
Aos poucos, e com ajuda de amigos, foi ganhando conhecimento e desses tempos recorda, com apreço, o facto de “nunca ter sido discriminado por ser brasileiro”. Hoje, José Araújo está perfeitamente integrado na comunidade – vive em Ribeirão, mas tem grande proximidade com a Trofa – e nem através da comunicação se nota que nasceu “canarinho”.
Esta questão da adaptação à verdadeira Língua Portuguesa não se aplica só aos brasileiros. Também os Países de Língua Oficial Portuguesa adotam dialetos que tornam a linguagem distinta do Português de Portugal.
Adul Gano nasceu na Guiné-Bissau há 24 anos e em 2011 fixou-se em Portugal. Na terra natal estava mais habituado ao crioulo que, apesar de ter base lexical portuguesa, era muito diferente do Português, principalmente devido à pronúncia. Contacto com a língua de Camões tinha nas aulas e ainda assim pouco. “Quando falávamos com o professor fazíamo-lo em crioulo”, contou.
Veio a Portugal de férias com o irmão gémeo e acabaram por ficar, a pedido da mãe, que queria que construíssem “uma vida melhor”. Foi viver para o Cacém, onde encontrou uma grande comunidade luso-africana, que o ajudou a adaptar-se à Língua Portuguesa. Depois, o grande impulso foi dado por “colegas de trabalho”, já na Trofa, onde conseguiu um emprego de vigilante, em 2014. “Sempre tive colegas brancos que me corrigiam, quando que me enganava nas palavras”, explicou.
Ainda hoje considera que não sabe exprimir-se “bem” em Português e admite que “é mais fácil entender o que as pessoas dizem do que falar”. Mesmo assim conseguiu concluir o 9.º ano em Portugal e teve de suspender os estudos, porque havia quem dependesse dele. “Tinha de sustentar o meu pai e os meus irmãos”, contou.
Depois de um regresso provisório a Lisboa, onde ainda vive o irmão, Adul retornou à Trofa para um novo emprego. Além do trabalho, está a “tentar tirar o 12.º ano”, através do Qualifica.
Apesar de estar em Portugal há sete anos, Adul ainda não se dá bem com “o frio” e a cultura sedentária. “Na Guiné, não ficávamos dentro de casa tantas horas, estávamos sempre fora, a fazer o chá e a conviver com os vizinhos e amigos. Aqui só sais para ir trabalhar ou para ir ao shopping”, afirmou.
As saudades da terra natal são “muitas”, no entanto Adul ainda lá não foi desde que veio para Portugal. O desejo é regressar “daqui a um ano”, mas a viagem vai depender das condições financeiras da altura. Para projeto futuro, Adul confidenciou que sonha “abrir um negócio ligado ao comércio, em Bissau”.
“A Língua aprende-se na
convivência com as pessoas”
E se aos que têm bases de Português é difícil compreender a Língua no país de Camões, que dizer daqueles que vêm de países sem influências lusas? Andrey Bondin é natural de Balakovo, distrito de Saratov, Rússia. Com quase 15 anos feitos veio para Portugal, país que o pai escolheu para trabalhar e dar uma “vida melhor” à família. Depois de se instalar na Trofa, este foi à Rússia buscar a mulher e os filhos. “Vim para cá em abril ou maio de 2003. A nossa primeira residência foi em Paradela”, relembrou Andrey.
Os pais queriam que o jovem ingressasse na escola para aprender a Língua Portuguesa, mas Andrey “tinha medo” de não se conseguir relacionar com os colegas e negou-se a frequentar as aulas. “Hoje arrependo-me”, confessou ao NT. Apesar disso, Andrey tem amigos que garantem que a escola não é fator determinante para a aprendizagem da Língua. “É a convivência com as pessoas, é ouvi-las a pronunciarem as palavras”, explicou.
Inicialmente retraiu-se, mas com o tempo travou conhecimento com amigos, que o impulsionaram a galgar as fronteiras da Língua: “Comecei a sair com vizinhos e a jogar à bola. A partir daí foi mais fácil, em meio ano puxei logo o Português”.
Os “palavrões”, diz entre risos, foram as primeiras palavras que lhe quiseram ensinar, juntamente com os típicos “olá, bom dia, boa tarde”. Já os verbos eram os obstáculos mais difíceis de ultrapassar, mas atualmente Andrey até tem uma boa bagagem linguística.
Culturalmente, já se sente mais português que russo e nutre um carinho especial pelo país que o acolheu. “Portugal é muito bonito. Já andei de norte a sul e cada cidade tem sua beleza, a sua especificidade. Adoro a comida. Francesinha é top, principalmente se for comida na cidade do Porto, mas também adoro jardineira e gosto de tripas à moda do Porto. Bacalhau, se for bem preparado”, afirmou. Além disso, foi cá que descobriu o boxe, a modalidade que praticou até há pouco tempo e que pretende retomar brevemente. “Tenho saudades do ringue”, frisou.
Apesar de ter saudades da terra natal, onde ainda não voltou desde que emigrou, Andrey prefere Portugal: “Já me sinto em casa. A minha vida está aqui”.
Quem também não troca Portugal pelo país de origem é Ana Ruslana Huleychuk. Nascida em Chernivtsi, na Ucrânia – e bem perto da Roménia -, a jovem de 20 anos veio para a Trofa em 2013, juntar-se aos pais que já cá moravam há mais de uma década. “Olá, bom dia, tudo bem” foram as primeiras palavras e expressões que aprendeu, mas a adaptação não foi fácil. “A escola foi difícil. Aprender o Português foi o mais complicado. Tinha muita vergonha de falar”, admitiu.
Apesar de ainda não conseguir conjugar verbos com exatidão e misturar termos do género feminino com outros do género masculino, Ana sente-se mais confiante a manter uma conversa em Língua Portuguesa. “Agora passo mais tempo com portugueses, já não é aquela dificuldade. Mais complicado é dizer palavras com erres, como carro e Rita”, contou a jovem que confessou “adorar” escrever em Português.
Atualmente, Ana está inserida no mercado de trabalho e admite querer ficar por cá, porque é aqui que sente confiança a olhar para o amanhã: “Em Portugal tenho futuro. Na Ucrânia não tinha”.
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