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Crónicas e opinião

Uma casa a arder chamada Portugal

João Mendes

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1.

Pensávamos que o Verão seria relativamente sossegado, que a época dos fogos florestais não teria o impacto dramático de outros anos, de triste memória, e eis que, num abrir e fechar de olhos, a esperança foi reduzida a cinza e o país voltou a arder.

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Vidas destruídas.

Hectares ardidos.

Danos irreparáveis.

Outra vez.

O problema de Portugal é o de sempre: pensamos a curto prazo, o horizonte governativo continua a ser a eleição seguinte, não temos estratégia, ou meios adequados, e não olhamos para este flagelo como problema existencial de uma nação que tem na floresta uma das suas maiores riquezas.

Será por falta de dinheiro?

Não pode ser. Se escolhemos investir milhões em jornadas mundiais, em torneios de futebol onde somos meros figurantes, ou em borlas fiscais obscenas, como a proposta de IRS jovem, que impacta sobretudo as vidas de jovens que não precisam delas, o problema não pode ser dinheiro.

O problema é que o fogo florestal não ameaça a capital, não ameaça a Invicta, não ameaça os milionários da Comporta ou a primeira linha do Algarve. Não ameaça as elites. Pelo contrário, chega a ser-lhes bastante rentável.

E, sobretudo, o problema é não aprendermos nada com as desgraças recentes.
Portugal é uma casa a arder, pseudo-gerida por um batalhão de mulheres e homens-tacho que não conhece o país real para lá dos limites da sua própria arrogância elitista. Ignorante, parida em viveiros de facada nas costas e hermeticamente fechada na sua bolha, esta elite garante não perceber de onde vêm os novos fascistas, quando eles são o produto acabado da sua própria incompetência e inutilidade.

Já a equação dos fogos florestais, essa é sempre a mesma:

São os políticos incompetentes que não sabem gerir a floresta.

Os empresários mafiosos que subcontratam incendiários.

Os incendiários criminosos que escapam à prisão.

Os proprietários negligentes que não limpam os seus terrenos.

E os suspeitos do costume a arriscar a vida pelos restantes.

Aos Bombeiros do nosso país, uma palavra de eterno agradecimento. Tivesse a nossa classe política um décimo da capacidade de entrega e serviço público dos soldados da paz, seríamos uma das nações mais evoluídas do mundo.

Mas de nada nos adianta ter bombeiros “nórdicos”, se os políticos insistem em ser terceiro-mundistas em tantas matérias. Afinal, eles são o espelho de quem somos. Não são as pedras da calçada que votam neles.

2.


Ser bombeiro, em Portugal, é no mínimo ingrato. Pedimos-lhes que arrisquem a vida a troco de um salário miserável e enviamo-los para o mato em chamas, com recursos e equipamentos que nos deveriam corar a todos de vergonha.

Eles vencem todas as batalhas, é certo, mas o preço a pagar, por eles e por todos, é cada vez mais elevado. Obrigado a todos, sobretudo a vós, João Manuel dos Santos Silva, Sónia Cláudia Melo, Susana Cristina Carvalho e Paulo Jorge Santos.

Que o vosso sacrifício não tenha sido em vão.

Eu queria dizer que estes heróis nunca serão esquecidos, e espero que não o sejam, mas é pouco provável que a “elite” que nos comanda venha um dia a dar os seus nomes a ruas ou a erguer estátuas com as suas caras. Tais fidalguias ficam sempre reservadas aos seus pares, ao autarca corrupto e ao ministro da administração das influências.

Temos o país que merecemos. Lidemos com isso. O país, a corrupção, o tráfico de influências, a falsa meritocracia, os concursos públicos viciados, as amantes com tachos e carteiras mais caras que o próprio salário, as luvas, as viagens de luxo à custa dos nossos impostos, os almoços com lavagante e Pêra Manca, as casas da mãe e do amigo em Paris, os banqueiros criminosos a patrocinar campanhas dos autoproclamados impolutos e os milhares escondidos numa estante no Terreiro do Paço. Ou nas Ilhas Virgens Britânicas.

E temos bombeiros, a contar trocos no final do mês, que pagam as botas do próprio bolso.

E por cá seguimos, obedientes e apavorados, batendo continência ao senhor doutor Suborno, descarregando as nossas frustrações no futebol, nos imigrantes sem os quais a economia colapsa ou nos ódios de estimação que alguém nos prescreveu.

Fáceis que dói.

3.

Há, contudo, um aspecto que me intriga, na tragédia sazonal dos incêndios florestais.
Portugal investiu milhares de euros, ao longo dos últimos anos, para preparar e equipar a força aérea para o combate aos incêndios. Formou pilotos para combater fogos florestais, preparou aviões C-130 para transportar 20 a 30 mil litros de água, o triplo daquilo que um Canadair consegue transportar, mas nem uns, nem outros levantaram voo durante os incêndios deste mês.

Porquê?

Porque é que não usamos este recurso?

Porque é que pagamos 35 mil euros à hora às empresas privadas que nos alugam helicópteros com menos de metade da capacidade de transporte de um C-130?

E porque é que André Ventura, rei da demagogia populista, sempre tão – alegadamente – virtuoso, não abre o bico para falar sobre o assunto?

Será por ter no dono da Helibravo um dos maiores financiadores do Chega?

A mesma Helibravo que, todos os anos, recebe milhões para alugar os seus helicópteros ao Estado português? Mesmo que não levantem voo e não combatam um único fogo?

Importa analisar e escrutinar esta situação.

E escavar fundo, sem medo.

4.

Apesar de tudo, deste flagelo que nos persegue e há-de perseguir, ano após ano, há algo que todos podemos fazer. Podemos tornar-nos sócios da corporação de bombeiros voluntários das nossas vilas e cidades. E, com o nosso contributo, criar condições para que possam ter mais efectivos, mais recursos, melhores equipamentos e maior capacidade de combater os incêndios.

Na minha cidade, a Trofa, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Trofa (AHBVT) tem feito um trabalho que me parece de muito boa qualidade, seja no combate aos fogos para os quais é chamada, seja na gestão da creche e jardim de infância, onde tive a sorte de ver o meu filho ser feliz e muito bem cuidado e acompanhado durante dois anos, seja na manutenção e melhoramento de um excelente quartel, bem equipado e com boas viaturas, que tem respondido com distinção sempre que a população trofense dela precisou.

Quando nos tornamos sócios da AHBVT, não estamos apenas a contribuir para melhorar a situação da corporação. Estamos a tornar o nosso concelho mais seguro e mais capaz de enfrentar o fogo florestal, do qual felizmente escapamos este ano.

Não esperem pela próxima vez que um incêndio nos bater à porta.

Ajudem os nossos bombeiros, agora.

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