Crónicas e opinião
Traição à Pátria
“Reparem: para Ventura, Marcelo traiu a pátria por emitir uma opinião, segundo a qual Portugal deve reparações às ex-colónias. O mesmo André Ventura que foi a Madrid gritar “Viva España” no comício do partido que faz peças de propaganda eleitoral em que apresenta Portugal como uma região anexada de Espanha.”
Em 2020, o partido espanhol Vox publicou um mapa de Espanha no qual Portugal (e as colónias que possuía no século XVI) surgia como uma região do país vizinho. Como se o 1 de Dezembro de 1640 nunca tivesse acontecido.
Dias depois, altamente pressionado, André Ventura fez um dos seus números de contorcionismo e exigiu um pedido de desculpas ao seu aliado, Santiago Abascal, líder do Vox. Pedido esse que nunca chegou a ser respondido. Na cabeça da extrema-direita espanhola, Portugal será sempre uma colónia rebelde do seu reino.
Seria de esperar que, perante ausência do tal pedido de desculpas, se seguisse uma acção mais musculada, ou mesmo um corte de relações institucionais. Por muito menos – a data de um congresso – Ventura chegou a ordenar o corte de relações com o CDS.
Mas nada aconteceu, perante este insulto à soberania e à história de Portugal. Ventura meteu o paleio e o nacionalismo bacoco entre as pernas e baixou a bolinha aos espanhóis que nos querem anexados. Foi, no fundo, o líder da extrema-direita portuguesa a ser igual a si próprio: forte com os fracos e fraco com os fortes.
Como se a cobardia de Ventura não fosse suficiente, e sem que o Vox ou Abascal tivessem feito o exigido pedido de desculpas, André Ventura voou até Madrid, alguns meses mais tarde, para participar num comício do Vox. Lá, com ar deslumbrado, perante uma multidão de adeptos do mapa de Portugal anexado, gritou, em plenos pulmões, “Viva España”.
Meses depois deste episódio em que nacionalismo do CH se ajoelhou perante o aspirante a ditador de uma Espanha capaz de ocupar toda a Península Ibérica, o Vox voltou a apostar no mapa que ilustra este texto, em que Portugal e as suas possessões ultramarinas surgem como regiões sob domínio da coroa espanhola.
E o que fez Ventura?
Um tweet furioso?
Uma proclamação ao país?
Uma ameaça de corte de relações?
Nada disso.
O que Ventura fez foi não emitir um pio que se ouvisse. Limitou-se a ser o fraco que sempre é com os mais fortes e meteu a viola ao saco.
Neste caso, parece-me, ficou clara a determinação e o orgulho patriótico do líder da extrema-direita portuguesa: o amor à pátria termina onde começam as suas alianças políticas.
Mas foi este indivíduo, o deputado André Ventura, que há dias mergulhou o país num autêntico circo, bloqueando a Assembleia da República para debater uma acusação absurda e sem qualquer tipo de fundamento jurídico, acusando Marcelo Rebelo de Sousa de traição à pátria.
Reparem: para Ventura, Marcelo traiu a pátria por emitir uma opinião, segundo a qual Portugal deve reparações às ex-colónias. O mesmo André Ventura que foi a Madrid gritar “Viva España” no comício do partido que faz peças de propaganda eleitoral em que apresenta Portugal como uma região anexada de Espanha.
Acresce a isto que, sendo jurista de formação, Ventura sabia que a acusação contra Marcelo não tinha fundamento jurídico, ou ponta por onde se lhe pegasse.
Sabia, de antemão, que daria em nada.
Mas avançou na mesma.
Porquê?
Pelo mesmo motivo que encena todos os seus circos: para fazer manchetes, ser convidado para dar entrevistas na imprensa que demoniza e produzir clips de populismo e demagogia para o Tiktok, uma rede social que é literalmente uma ferramenta ao serviço do Partido Comunista Chinês.
No fundo, e é importante que isto se sublinhe, André Ventura e o CH empurraram o país para este triste espectáculo com o objectivo de obter ganhos de popularidade.
Porque Ventura não se limita a trair a soberania e a integridade territorial de Portugal quando grita “Viva España” no comício do tipo que nos quer anexar.
Ventura trai a nação quando a usa e explora em benefício próprio.
O que é uma vergonha, vindo de quem anda sempre com essa palavra na boca.
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