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Escrita com Norte: Distraído anónimo

É final de tarde, João chega a casa. Depois de três meses de namoro e quinze anos de casamento, a pergunta que mais teme continua a ser, “Não notas nada de diferente?”.

José Calheiros

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Há algo que o homem durante o seu crescimento não desenvolve, algo para o qual nem a sua mãe o consegue preparar…

Foi a primeira vez para João, e ainda não eram casados, quando Lurdes lhe pergunta:

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– Não notas nada de diferente?

– Aonde? – responde à pergunta com outra pergunta.

– Em mim, meu lindo!

Esta cena aconteceu ao início de uma tarde de Verão, e enquanto o dia durou, João olhava para Lurdes com a tensão a aumentar sem vislumbrar nada de diferente na namorada, e já o sol se punha, quando finalmente arrisca responder com sinceridade:

– Não, não vejo nada de diferente! – disse, esboçando um sorriso tímido.

Perante a resposta, Lurdes, a “morenaça”, que da parte da manhã tinha pintado o cabelo de amarelo com madeixas lilases, em vez de acabar o namoro, pensou, fruto de uma raiva imensa, “Havemos de casar e tu vais sofrer!”.

É final de tarde, João chega a casa. Depois de três meses de namoro e quinze anos de casamento, a pergunta que mais teme continua a ser, “Não notas nada de diferente?”.
Abre a porta da cozinha e dá de caras com a mulher.

– Olá meu amor! – diz com voz trémula.

– Olá Jójó! Não notas…

E as pernas de João tremem que nem varas verdes.

– …que está frio?

João suspira de alívio – Um bocadinho, minha Linda! – e segue para o corredor para pousar o casaco no bengaleiro.

– Por falar em “linda”, não notas nada de diferente?

Perante a pergunta temida, João vai para o escritório e enquanto abre o computador, exclama em voz alta:

– Diferente, aonde?!

– Se calhar é na sala! Vê bem!

O computador está ligado e João abre uma pasta onde tem as fotografias tiradas nessa manhã à mulher e a todas as divisões da casa. Sem perder tempo vai para a sala com o computador e compara o que vê com as fotografias tiradas dessa divisão.

– Amooor! Aqui na sala está tudo igual!

Furiosa, Lurdes irrompe pela sala:

– Pois está. E EM MIM…não notas nada?

João abre as fotografias tiradas a Lurdes nessa manhã, olha para ela e:

– Cortaste o cabelo?!

Lurdes, a “espumar”, veste um casaco, pega num saco e nas chaves do carro e sai, sacudindo a cabeça fazendo sobressair as extensões que tinha colocado nessa tarde, dizendo-lhe:

– Se queres comer, faz o jantar!

Triste e a precisar de algum ânimo, João vai a uma drogaria perto de casa, que só fecha às 20h, comprar um busca-pólos e ver ferramentas. Enquanto bisbilhota uma chave de estrela, ouve:

– Olá João!

Era um bom conhecido, que mora há já algum tempo ao fundo da rua, atulhado de ferramentas de medição: régua, esquadro, escantilhão, nível, fio-de-prumo…

– Vais construir uma casa? – pergunta João a brincar.

Depois de um compasso de espera, Miguel, o bom conhecido, decide confiar em João…e desabafa:

– Não, João. Todo este material é para fazer marcações no chão de minha casa. Hoje, para agradar à minha mulher, deixei os chinelos no sítio…e a Maria castigou-me com o argumento de que o chinelo do pé direito estava deslocado dois graus para norte…!!!

Ao ouvir isto, João, sem nada dizer, acena a cabeça em concordância com o amigo e com um olhar solidário! E Miguel prossegue:

– …e para acalmar os ânimos, disse que os brincos novos que ela estava a usar lhe ficavam muito bem!

– E?! – pergunta João, expectante.

– Afinal não eram novos! Ofereci-lhe os brincos há cinco anos, num fim de semana romântico!!! Foi o caos…estou aqui sem comer!

Por detrás de uma estante, onde estava a ver umas tintas de interiores, Vilaça, que casou uma segunda vez, esquecendo-se amiúde que mudou de mulher, sem ter querido ouvir a conversa, interpôs-se:

– Amigos, eu posso ajudar-vos! Logo à noite estais livres?

– Sim! – respondem em uníssono, João e Miguel.

Nessa noite, João, Miguel e Vilaça, estão numa sala cheia de homens heterossexuais e uma mulher lésbica, sentados em roda, em que uma pessoa dá as boas vindas aos presentes:

– Muito boa noite e sejam bem vindos! Eu sou o Rui e sou um DISTRAÍDO ANÓNIMO!…

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