Crónicas e opinião
Escrita com Norte: Daniel, o Vampiro (parte 2)
“Desde que foi eleito, as hemodiálises políticas (troca de sangue bom por sangue “adaptável”) passaram de quinzenais para semanais, tornando o Daniel comparável a um dinossauro autárquico em cara de pau e pouco amigo da verdade.” A crónica de José Calheiros
Foi por mero acaso que eu e o António encontrámos o Daniel, já que este, quando foi eleito Presidente da Junta, deixou o seu emprego e assim perdemos um bom colega mas a sua freguesia ganhou outro político.
Corrosivo e directo, o António pergunta:
– Então Sr. Engenheiro, tens feito o que prometeste?
– Tudo, tenho cumprido com tudo, António! – Responde o Daniel firme como uma rocha e prossegue:
– Agora sou o Sr. Doutor, se não te importares!
– Mostra-me as tuas veias! – ordena o António.
Daniel levanta a manga da camisa e o seu braço está todo picado.
Desde que foi eleito, as hemodiálises políticas (troca de sangue bom por sangue “adaptável”) passaram de quinzenais para semanais, tornando o Daniel comparável a um dinossauro autárquico em cara de pau e pouco amigo da verdade.
Sempre que pode, o eleitorado vai interpelando o Sr. Presidente da Junta, e certo dia, os 100 metros percorridos a pé, de casa até à Sede da Junta, revelam o sangue que corre em Daniel, quando este é interpelado pela Dona Maria Albertina:
– Oh Sr. Presidente, o senhor disse que a primeira coisa que ia fazer na freguesia era uma piscina…e nada! É que nem as obras começaram!
– Dona Albertina, a senhora anda desatenta! A piscina na freguesia já está feita… é na minha casa! – responde o Daniel, com um sorriso na boca.
– Mas pensei que era pública! – exclama a senhora.
– E é! – contra exclama, o Sr Presidente.
– Então posso lá ir com o meu netinho Gonçalo?! – pergunta a Dona Albertina, entusiasmada com a ideia.
– Não, Dona Albertina, eu e a minha família prezamos muito o recato do nosso lar! O que é publico é poderem ver a piscina. Se a senhora e o seu netinho quiserem vê-la, põem-se em cima da lomba que mandei fazer em frente a minha casa, para os carros passarem mais devagar, e vê-se perfeitamente!
– E o jardim exótico que ia construir?! – quis saber a Dona Albertina.
– Mais uma promessa cumprida, comigo é assim.
– E aonde é que está?! – quis saber a querida senhora.
– Na frente da minha casa tenho a piscina, nas traseiras, tenho o jardim! – clarifica o Daniel
– E é público? Posso ir passear com o meu netinho?
– É…a vista! Também se vê muito bem as copas das árvores em cima da lomba!…É que eles passavam muito depressa em frente a minha casa, percebe?! Tenha uma boa tarde, Dona Albertina.
Um pouco mais à frente, Daniel encontra o Cajó, um jovem com problemas de rendimento escolar detectado na pré-escola, mas avispado com as miúdas.
– Oh Sr. Presidente, quando é que põe net grátis na Junta, para nós irmos para lá, como prometeu?
– Pois é jovem, mas já temos net! – responde o Daniel.
– Na Junta?!!! – pergunta o Cajó.
– Não, meu jovem! Mandei instalar provisoriamente, em fase de teste, em minha casa durante o meu mandato!
– Então posso ir para sua casa? – pergunta Cajó, entusiasmado.
– Hummmm, é melhor não! Até mais logo meu jovem, és o futuro da freguesia! – despede-se o Daniel.
Quase a meter o pé no edifício da Junta, o Presidente é interpelado pelo Sr. Augusto, um reformado de 78 anos:
– Bom dia Sr. Presidente! Estamos a um mês da colónia para a terceira idade na praia de Labruge. Vai-me fazer bem, estou a precisar de apanhar sol! – diz entusiasmado.
Esta foi talvez a promessa eleitoral mais valiosa em campanha, que agarrou o voto da terceira idade, com o apoio do padre da paróquia. Sendo o Sr. Augusto uma pessoa respeitável, que vive a sua própria vida e avesso a tagarelices, Daniel vê nele a pessoa certa para desabafar:
– Sr. Augusto, essa promessa não vou poder cumprir! O dinheiro destinado para a colónia investi-o numas férias paradisíacas com a minha mulher! Estamos a passar uma fase má e estas férias maravilhosas vão acalmar o casamento! Compreende, não compreende?
O Sr. Augusto afasta-se sem lhe responder e nunca mais lhe dirigiu a palavra.
O tempo foi passando e as obras na freguesia iam sendo feitas, apesar de ninguém as ver…até àquele momento!
Na última hemodiálise política, por negligência trocaram o lote de sangue, tendo sido usado o que lhe foi retirado na primeira. Aos poucos o seu sangue foi-se “honestizando” e ele foi-se apercebendo de todo o mal que fez e de todo o bem que não fez!
Foi entregar-se à GNR, sem evitar atravessar a praça da freguesia, cheia de pombos, de cabeça erguida!
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