Crónicas e opinião
Memórias e Histórias da Trofa: Altino Maia – a falta de liberdade
O escrutínio da sua vida e razão para a escrita desta crónica é que o mesmo não passou despercebido às forças repressivas do Estado Novo, nomeadamente da polícia política que dedicou a ele um extenso dossier.
Altino Maia nasceu em 1911, na freguesia de Santa Maria de Avioso, e rapidamente ganhou o gosto pela escultura através da influência de familiares próximos. Com alguma naturalidade, no final dos anos 30, ingressou na Escola Superior de Belas Artes do Porto e a qualidade do seu trabalho iria permitir que fosse bolseiro do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian, estudando em Espanha e chegando, até, a viajar pela Europa, tomando contacto com diversas culturas e formas de arte.
Além de ser escultor, acabaria também por ser professor em várias escolas, quer da metrópole, como também nos territórios ultramarinos, no ensino secundário.
Apresentada que está esta figura da arte portuguesa, a razão para se escrever sobre ela é simples: em determinado momento da sua vida, nomeadamente na década de 1960, residiu em S. Mamede do Coronado.
O escrutínio da sua vida e razão para a escrita desta crónica é que o mesmo não passou despercebido às forças repressivas do Estado Novo, nomeadamente da polícia política que dedicou a ele um extenso dossier.
A ação desta polícia política na sua vida fazia-se sentir, sobretudo, no facto de ser excluído dos concursos de admissão à docência. Apesar de ter um currículo invejável, a ação da PIDE fazia com que ele fosse impedido de concorrer, porque alegavam os serviços que, na sua biografia profissional, existiam informações impeditivas inseridas na mesma pela PIDE.
No seu processo constam os relatórios da referida polícia política sobre a sua pessoa e o mais impressionante é o nível de detalhe como é descrita a sua vida, além de que essa recolha de informação ter sido realizada inclusivamente em Luanda, demonstrando e comprovando os longos braços da repressão salazarista. Salienta-se que nesse seu processo existe informação que o Altino Maia declarou que não fazia parte de nenhum organismo que fosse contrário ao regime em exercício e mesmo assim a polícia política desencadeou uma série de vigilâncias sobre a sua pessoa.
A ação das autoridades policiais foi bastante intensa, sendo inclusivamente controlado pela GNR de Santo Tirso, que em tempos idos, nos seus relatórios, afirmava que tinha sido considerado opositor ao regime ditatorial, mas, naquela altura, estava com uma postura dita “adequada” para com o regime.
Os pormenores sobre a sua vida eram constantes, referindo os locais onde trabalhou e trabalhava, o seu comportamento durante a fase recreativa e ociosa da sua vida, tudo escrutinado com um pormenor bastante assustador, demonstrando a permanente vigilância a que estava sujeito.
Na prática, e de forma objetiva, é possível perceber que, sobre si, recaíam apenas suspeitas infundadas que o próprio regime político através da sua força polícia de investigação política tinha dificuldades em comprovar, mas, não era impeditivo de, em setembro de 1964, declarar de forma bastante clara que o nosso biografado “não oferecia garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”.
Estamos a praticamente 50 anos de comemorar a mudança de regime em Portugal, a mudança para aquele regime que, apesar de todos os defeitos, ainda consegue ser o melhor regime político em exercício. Perante tudo o que foi descrito, é, simplesmente, assustador pensar que em qualquer momento da nossa vida, por razões infundadas, de apenas uma leve suspeita, poderíamos ter a nossa vida a ser completamente escrutinada e mesmo sem confirmação dos factos constantes na denúncia, poderia ser condicionada e impeditiva da realização da sua normalidade.
A confirmação de tempos sombrios que espero que não retornem…
Foto: CM Maia
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