Edição 776
Assembleia impede Santiago de recuperar independência
A Assembleia de Freguesia de Bougado votou contra a desagregação de Santiago e S. Martinho, numa sessão extraordinária convocada para 27 de outubro. Numa decisão controversa, a votação foi feita por voto secreto e legitimou a vontade do executivo da Junta de Freguesia, liderado por Luís Paulo, que defendeu a continuidade da união, apesar do abaixo-assinado com mais de 1500 assinaturas, que reclamava a independência administrativa de Santiago.
“Vergonha”. “Palhaçada”. As palavras ecoaram no auditório mal a presidente da Assembleia de Freguesia de Bougado, Isabel Loureiro, revelou o resultado da votação da proposta de desagregação das freguesias de Santiago e de S. Martinho de Bougado. Sete votos contra – mais um do que os votos a favor – fizeram cair a vontade do Movimento por Santiago de Bougado e de mais de 1500 bougadenses que subscreveram o abaixo-assinado que reivindicava a autonomia administrativa de Santiago, forçosamente agregada a S. Martinho de Bougado desde a reforma desencadeada pelo governo português em 2013, naquela que ficou conhecida pela “Lei Relvas”.
De nada valeu o apelo feito por António Pontes, um dos porta-vozes do Movimento, que lembrou que “a maioria da população nunca se reviu nesta agregação de freguesias” e que todos os “órgãos autárquicos à época” – assembleias de freguesia de Santiago e de S. Martinho, Câmara Municipal e Assembleia Municipal, deliberaram “contra a agregação” em 2012.
“Neste contexto, havendo a possibilidade legislativa, não será legítimo aspirar a ter de volta a junta de freguesia de Santiago de Bougado? É mais do que justo”, argumentou, pedindo aos elementos que soubessem “interpretar a vontade” da população e cumprissem “o dever” de “votar favoravelmente ao lado das pessoas que representa”.
Se estes argumentos não conquistaram a maioria dos eleitos, também de nada serviu a António Pontes justificar o desejo da desagregação pelos “sentimentos de pertença, sentido identitário e formas de pensar e ser, cultura e história próprias que tornam estas duas freguesias duas realidades bem distintas”.
“S. Martinho de Bougado é mais urbana e com capacidade de atração mais favorecida para as pessoas, com acesso mais fácil à habitação, meios de transporte e com uma economia muito virada para o comércio e serviços. Santiago de Bougado tem um misto de urbano e rural, uma economia muito centrada para a indústria e para a agricultura. São as características ímpares do Vale de Bougado que lhe dão esta forte apetência para a atividade agrícola, que importa cuidar, até por questões estratégicas, de gestão e de ocupação do território”, desfiou António Pontes, num esforço inglório para ter a maioria da Assembleia a votar favoravelmente a desagregação.
Assim como a grande maioria dos elementos do Movimento presentes na sessão, também o primeiro subscritor do abaixo-assinado, o último presidente da Junta de Freguesia de Santiago de Bougado e atual vice-presidente da Câmara Municipal da Trofa, António Azevedo, saiu ainda antes de a sessão acabar, visivelmente abalado com o veredito dos sete elementos eleitos. Quem? Não se sabe, porque a votação foi secreta, ao contrário do que aconteceu na Assembleia de Freguesia de Alvarelhos e Guidões, quando esta votou a desagregação, a 22 de março deste ano, com os eleitos a deliberar por braço no ar.
Votação secreta surpreendeu assistência
Numa decisão controversa, Isabel Loureiro, presidente da mesa e eleita nas lista dos Unidos pela Trofa, decidiu que a deliberação da proposta se fizesse por voto secreto mesmo sem ouvir a opinião dos outros elementos eleitos desta Assembleia. Uma opção que, segundo argumentou, visou garantir “a liberdade” dos eleitos, mas não evitou a admiração da assistência e dos elementos do Partido Socialista, que, prontamente se opuseram a este método de votação, dando conta, pela voz de Filipe Portela, de que, “não tendo nada a esconder”, iria, assim como os restante elementos do PS, “votar favoravelmente a desagregação”.
Ao NT e à TrofaTv, Isabel Loureiro defendeu que a decisão resultou de “uma faculdade” que o “regimento” lhe “concede” e em consonância com a vontade de garantir que as pessoas “não se sentissem pressionadas neste ou naquele sentido de voto”. “Achei que era dessa forma que as pessoas podiam votar em liberdade, aliás, em quaisquer eleições, não se faz por voto de braço no ar, mas faz-se de uma forma mais recatada”. Uma justificação pouco plausível, uma vez que, voto secreto usa-se, essencialmente, para propostas de listas nominativas, ou seja, com nomes envolvidos, exatamente o contra-argumento usado por João Teixeira da Cruz, para contestar o modo de votação usado. “A melhor forma de esta decisão ser tomada seria assumirmos a votação através de braço no ar, como forma democraticamente mais explícita, e como se vê na própria Assembleia da República, para que, efetivamente, os bougadenses pudessem ver, de forma concreta, o sentido de voto deste ou daquele membro da Assembleia, portanto, reprovo e contestei a opção da presidente da Assembleia, que poderá ter a sua legitimidade, mas temos que averiguar isso e se cumpre as disposições legais”, adiantou o eleito socialista.
Além dos quatro elementos do PS mais dois eleitos da coligação votaram no mesmo sentido, no entanto, sem se perceber quem, uma vez que mais nenhum elemento da Assembleia de Freguesia revelou, de forma contundente, qual seria o sentido de voto.
Só Filipe Couto Reis, do PSD, deu alguns indícios da orientação de voto, num discurso a remar contra a independência de Santiago de Bougado. Começou a intervenção a dizer que era necessário “separar a emoção da razão”, para depois defender que “a história não vai ser beliscada por estarmos numa situação de duas freguesias em união”. “Eu não vi nada a ser retirado de Santiago de Bougado, aliás, temos até mais serviços, como o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional”. “Um presidente de Junta tem mecanismos que mais nenhum teve até hoje para investir em Santiago de Bougado”, acrescentou, repetindo que era “preciso” que os eleitos fossem “responsáveis” na deliberação. Uma intervenção ao sabor do enunciado do executivo da Junta de Freguesia liderado por Luís Paulo, que assinou um parecer negativo à desagregação.
O artigo 25 e os 80% de investimento
Na intervenção que causou mais ruído entre a assistência – que levou inclusive Isabel Loureiro a convidar vários elementos do público a abandonar a Assembleia, sem sucesso -, Luís Paulo reclamou para si a isenção e imparcialidade na decisão de emitir um parecer negativo à desagregação de freguesias. O argumento maior? “O artigo 25”. Utilizando uma projeção da parte da lei que estipula o “procedimento especial, simplificado e transitório” para a desagregação de freguesias, o presidente da Junta repetiu várias vezes que o manifesto teria de ser fundamentado “em erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações”. “Nós tínhamos que encontrar um motivo no manifesto do Movimento (que comprovasse) erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações, eu li bola (zero). Não encontrei nenhum”.
Outro argumento utilizado pelo autarca para o “não” ao divórcio de Santiago e S. Martinho foi “o investimento”. “Em relação ao investimento, que alguém cometeu o erro de comparar com o atual e com o do passado, não há comparação possível. O anterior executivo fez um excelente trabalho e o atual tenta fazer, vamos pôr as coisas assim. Mas nós pegamos na receita de S. Martinho e investimos em Santiago, 80% da receita da união de freguesias foi investida em Santiago de Bougado”, afirmou o presidente da Junta, precipitando novo bulício entre a assistência.
Depois, seguiram-se alfinetadas políticas a todos os elementos do Movimento, atingindo inclusive aqueles que militam o Partido Social Democrata, atribuindo-lhes “ambições políticas” com a desagregação. “Noventa por cento deles já foram a eleições e eu sei que esta divisão criaria cargos, mas eu tenho de defender o interesse das populações, não estou aqui para arranjar cargos para presidente de Junta, nem para secretários nem para tesoureiros”, referiu.
Por outro lado, Luís Paulo, que revelou insatisfação por ver o auditório cheio, colocou em causa a vontade da população, referindo que “90%” dos bougadenses “não sabe do que se está a falar”. “Aqui estão políticos e famílias, elementos da Assembleia e da Câmara. Da população tem aqui 20, 30 pessoas. A divulgação foi brutal, vocês veem aqui pessoas? Onde está o povo? Não está”, atirou, causando uma sonora reação negativa do público que assistia à sessão.
De sala cheia a sala vazia vai uma votação desfavorável de distância
Poucos minutos depois de Isabel Loureiro apresentar o resultado da votação, que gorou a oportunidade de Santiago recuperar a autonomia administrativa, o auditório, que estava “à pinha”, ficou quase despido. Quase todos os elementos do Movimento recusaram assistir à restante sessão, mostrando, com a saída precipitada, um sinal claro do desalento pelo desfecho da votação. José Gregório, antigo presidente da Junta, foi um dos poucos que continuou, para poder expor o estado de alma, no período de intervenção do público.
“Há dez anos, estive aqui a reclamar que não deveria haver esta união de freguesias, por ser completamente contranatura. As duas freguesias não tinham nada a ver uma com a outra, a união estava a ser desenhada nos gabinetes em Lisboa, era tudo muito artificial, como aliás é e continuará a ser”, frisou, numa intervenção que terminou com uma dedicatória “à terra mãe”, por quem prometeu “lutar”.
Por sua vez, José Rodrigues, elemento do público, quis, em primeiro lugar, desconstruir os argumentos de Luís Paulo quanto ao “artigo 25”. “Houve aqui erro manifesto, porque se uma freguesia levou com um investimento de 80%, a outra foi defraudada. Onde é que está a verdade de tudo isto?”
Mas para este bougadense a “questão financeira” não entra na equação, mas sim a vontade de “autonomia”, por isso, José Rodrigues considera que os eleitos da Assembleia de Freguesia que votaram contra “vão ficar carimbados para toda a vida, por um grande erro que cometeram. Não vão ficar como heróis na história e grande parte de vocês são de Santiago de Bougado. A verdade é que vocês agiram politicamente e não quiseram saber dos bougadenses para nada”, condenou, para depois acusá-los de “agir politicamente”, por estarem “agarrados” ao “muito poder” de uma “junta de freguesia que tem dois terços da população do concelho”.
Regimento da Assembleia foi alterado em junho de 2022
Um facto a registar em todo este processo foi a alteração do Regimento da Assembleia de Bougado (S. Martinho de Santiago) e já depois da saída do anterior presidente, Vítor Martins, incluindo artigos e alterando outros, dando poderes à presidente para tomar deliberações sem ouvir ou colocar à consideração dos eleitos, como foi o caso da opção da votação por voto secreto.
Movimento assume “momento triste” e anuncia reação após “refletir”
“O Movimento tomou boa nota do que aqui aconteceu, esta noite. É um momento triste pelas razões que foram ditas e por tudo o que o Movimento apresentou. Estamos e continuaremos convencidos de que a desagregação era o melhor para as duas freguesias e particularmente para Santiago de Bougado, mas vamos refletir sobre o que aconteceu”, referiu ao NT e à TrofaTv, Manuel Rodrigues da Silva, no final da Assembleia.
Ainda que visivelmente abalado pelos acontecimentos, o elemento do Movimento não quis atirar a toalha ao chão. “Há uma frase que se costuma dizer que só é derrotado quem desiste de lutar. Estou a falar pessoalmente, já o Movimento, naturalmente, vai reunir e partilhará a sua posição sobre o que aconteceu e sobre aquilo que poderá ou não fazer no futuro. Para mim, esta questão não está encerrada, há matérias que precisam de ser esclarecidas. De qualquer maneira, Santiago de Bougado e S. Martinho de Bougado sempre. Espero, um dia, podermos revisitar esta questão”, rematou.
Não à desagregação abre ferida interna no PSD
Mas a intervenção que arrancou mais aplausos foi, inesperadamente, a de Jorge Campos, presidente da Comissão Política Concelhia do PSD, que, numa mostra clara de desalinhamento político com o executivo da Junta de Freguesia, eleito pela coligação Unidos Pela Trofa (PSD/CDS-PP) e liderado por um social-democrata, revelou intenção de, “pelos meios próprios, impugnar” a deliberação da Assembleia de Freguesia, que fechou a porta à desagregação de Santiago e S. Martinho de Bougado. “Há aqui uma série de dúvidas, que o partido sustenta quanto ao método que foi adotado para a votação”, referiu, sem deixar de admitir que o desfecho trouxe “consequências políticas”, uma vez que “o PSD é absolutamente a favor de todas as desagregações de freguesias que possam ocorrer na Trofa”.
“Irei falar com os elementos da comissão permanente, no sentido de apresentar o meu pedido de demissão (da comissão política concelhia do PSD). O que se passou aqui foi vergonhoso e isto não pode morrer aqui. Há que ter coragem de, nos momentos próprios, as pessoas terem coragem de assumir as posições que tomam e não se refugiarem em subterfúgios, de votos secretos, para poderem camuflar aquilo que deviam dar a ver a toda a população”, reiterou.
Partido Socialista desafia PSD a deixar de lado lutas internas e defender Santiago de Bougado
Em comunicado enviado aos jornalistas a concelhia do PS Trofa denunciou aquilo que considera ser “prejuízo” das populações por causa “de guerras internas no PSD. Presidente da Câmara Municipal e recém-eleito líder da Distrital do PSD, tem que retirar as devidas consequências deste resultado, ainda para mais depois de se ter comprometido nos últimos anos reafirmando por inúmeras vezes que o PSD votaria favoravelmente à desagregação das freguesias”.
A concelhia Socialista lembrou que “há sensivelmente 6 meses a Assembleia, à data convocada pelo então presidente Vítor Martins, da Coligação Unidos pela Trofa, tinha sido cancelada a uma hora do seu início, numa verdadeira violação das regras democráticas, desta vez prevaleceu a vontade do Presidente de Junta, Luís Paulo e do seu executivo, que sempre se manifestaram contra esta vontade da população” e que recorde-se na sequência deste episódio, levou à demissão do então presidente da mesa Vítor Martins.
Os socialistas garantem que esta “noite jamais será esquecida por todos os Bougadenses, que encheram o auditório da junta, e que tinham depositadas todas as esperanças nos 13 membros desta assembleia. O PS manteve o compromisso que assumiu desde sempre: votar favoravelmente à desagregação da freguesia de Bougado. Assim o fizeram os 4 elementos do PS, que anunciaram previamente a sua intenção de voto. O PS Trofa mostrou que honra o que promete, cumpre com os seus compromissos e é leal à população, neste caso aos cidadãos de São Martinho e Santiago de Bougado”
No comunicado o PS Trofa lembra que os seus eleitos “apelaram igualmente a que esta votação, como todas as que não incidem sobre escolhas pessoais, fosse feita às claras, de braço no ar, com a coragem de quem foi eleito para servir sob o desígnio da transparência. Infelizmente, num ato que repudiámos e que surge no seguimento do ambiente que se viveu em toda a Assembleia, condicionada desde cedo pela coligação liderada pelo PSD, com a Presidente da Assembleia de Freguesia a impôr limite de tempo nas intervenções (nunca tal tinha acontecido), ameaçando o público com multas ou expulsão da sala se existissem manifestações, percebemos bem que a estratégia de condicionar uma votação favorável estava montada. É inadmissível que apesar de todos os apelos dos eleitos do PS, não tenha sido feita uma votação de braço no ar, transparente e responsável como o processo e os mais de 2000 subscritores da proposta de desagregaçãomereciam”.
Os socialistas vão mais longe e relembram que “o presidente de Junta anunciou publicamente, para defender a sua opção, que investe 80% em Santiago de Bougado e apenas 20% em São Martinho de Bougado, o que é uma afirmação gravíssima, reveladora do desequilíbrio que existe nesta agregação atual, e diz-se triste “ao contrário do que tinham dito outros membros, estava triste por ver o auditório cheio” de pessoas de Santiago e S. Martinho de Bougado” e realçou que foi o PSD Trofa quem traiu” Santiago e S. Martinho de Bougado”, conclui.
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