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Escrita com Norte: Em nome da rosa

“Aquele, naquele sítio, sem dinheiro e sem saber da vida dos outros, onde todos se conheciam, subornava de forma peculiar, com a primeira flor colhida no dia.”

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Havia quem corrompesse com dinheiro, outros, sem o ter, faziam-no exercendo a força sobre os mais fracos e havia ainda quem ameaçasse com a revelação de segredos sobre aqueles que se achavam com uma vida aventureira, coberta por um manto de mistérios…mas Aquele, naquele sítio, sem dinheiro e sem saber da vida dos outros, onde todos se conheciam, subornava de forma peculiar, com a primeira flor colhida no dia.
Incomodado por uma moedeira nos dentes, a primeira coisa que faz é passar no quintal da vizinha e, sem ser visto, arranca uma rosa. No dia anterior tinha arrancado uma camélia no parque da cidade, antes de se dirigir a um massagista, apreciador de design de interiores.
De flor na mão, toma o caminho mais rápido para o consultório. Atravessa a rua em frente a sua casa, vira à direita e entra na quarta porta, onde uma placa diz, “Dentista”.

– É aqui! – diz ele. Sempre que entra em algum sítio diz isto. Mesmo quando chega à porta de sua casa, diz – É aqui!
Sobe ao primeiro andar, entra num corredor e dirige-se à recepcionista.

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– Bom dia! Queria marcar uma consulta.
Ela, jovem, de nariz a indicar o tecto, próprio de quem se tem em boa conta quando se olha ao espelho, responde-lhe:

– Só daqui a três meses é que temos vaga.

– A minha moedeira, em breve transformar-se-á em dor. Não posso esperar tanto!
Estas palavras foram acompanhadas pelo movimento do braço, de rosa na mão, em direcção à recepcionista.
Corrompida na seriedade pelo calor do sentimento, proporcionado pela rosa, esta propõe:

– Posso alterar a marcação do Sr. Alberto, que tem consulta para daqui a dois dias. Está há dois anos à espera…pode esperar mais três meses!
A menina, depois de riscar o nome do Sr. Alberto da agenda e apontar o nome dele, estende o braço para receber a flor. Ele, sem dinheiro, com pouca força e sem saber segredos da vida de alguém, recolhe o braço e recua, abandonando o consultório com a rosa na mão!
Chegado à rua, vira à esquerda e entra na quarta porta, antes de ir para casa.

– É aqui! – diz para si, antes de entrar no supermercado, para fazer as compras do mês.
Depois de uma volta pelas prateleiras, de onde recolheu quase tudo o que precisava, e de oito gincanas para descobrir o fermento de padeiro, chega à “caixa” com o carrinho cheio. À sua frente e a ser atendida, está uma senhora com dois pacotes de leite, a fazer o pagamento.

– Menina! – diz ele para a pessoa da caixa, de aspecto doce e modesto – Estou com pressa. Posso ser atendido à frente desta senhora?

– Só um momento! Só me falta dar o troco e já o atendo.
Não perdendo tempo, num movimento surpreendente, sem ser brusco, estende o braço com a rosa na mão, em direcção à menina.

– É para si!
Corrompida pela surpresa, esquece as normas, apagadas pela flor. Pousa o troco da senhora novamente na caixa e diz-lhe para passar à frente. Depois de o atender, estende o braço para receber a flor. Ele, sem dinheiro, com pouca força e sem saber segredos da vida de alguém, recolhe o braço e recua, abandonando o supermercado com a rosa na mão!
Atravessa a rua e de frente para uma porta, diz – É aqui! – e abre-a.
Sentado no sofá de casa na companhia da mulher, mira a rosa da vizinha que lhe corrompe o coração!

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