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Para cima é o novo rumo em Vénus
A maior pesquisa de sempre por padrões de ondas atmosféricas no lado noturno de Vénus, e uma nova janela sobre ventos verticais, são os dois importantes contributos recentes para a compreensão da super-rotação do nível das nuvens deste planeta, feitos por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).
Num planeta de rotação lenta como Vénus, mas com ventos constantes que vão para além dos mais devastadores furacões na Terra, qualquer leve brisa poderá fazer parte da chave para a misteriosa “super-rotação” da sua atmosfera. Agora, dois estudos liderados por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) contribuem para o continuado esforço para que enfim se venha a compreender o que faz com que o invólucro aéreo de Vénus rode tão rapidamente.
Um estudo liderado por José Silva, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), publicado na revista científica Astronomy & Astrophysics, procurou por padrões de ondas nas nuvens baixas, a cerca de 47 quilómetros de altitude, em mais de 5500 imagens dos arquivos de duas missões espaciais ao planeta. É a maior pesquisa de sempre por ondas atmosféricas no lado noturno de Vénus, e é agora uma base de dados que poderá indiciar aquilo que as está a criar.
“As ondas atmosféricas de gravidade4 têm sido alvo de cada vez mais atenção devido ao seu papel no transporte de energia em atmosferas planetárias”, diz José Silva. “Podem ser uma das chaves na explicação do mecanismo que gera e mantém a super-rotação da atmosfera de Vénus.”
Numa região baixa da atmosfera, próximo da temperatura que derrete chumbo típica da superfície do planeta, o ar flui como água numa panela em ebulição. As suas células convectivas poderão alimentar ondas que, por sua vez, podem forçar a dinâmica das camadas superiores, a cerca de 70 quilómetros de altitude, onde o fluxo principal circula. Mas poderão não ser a única fonte de ondas, de acordo com a análise dos investigadores feita a imagens no infravermelho em arquivo. Estas foram obtidas em 2007 e 2008 com o Visible Infrared Thermal Imaging Spectrometer (espectrómetro de imagem no visível, infravermelho e radiação térmica) da missão Venus Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), e em 2016 com o instrumento IR2 da missão Akatsuki, da agência espacial japonesa JAXA.
“As ondas atmosféricas de gravidade que se manifestam nas nuvens baixas podem ter mais do que apenas uma fonte geradora dominante, dada a sua grande diversidade. O seu papel na circulação da atmosfera ainda é difuso, mas os dados que apresentamos podem auxiliar o trabalho que está atualmente a ser feito em modelização da atmosfera, se incluírem os nossos resultados para melhorar as previsões”, explica José Silva.
Simulações da atmosfera feitas por computador, com modelos físicos completos, e nas quais investigadores do IA estão também ativamente envolvidos, têm mostrado que diferenças a curta distância na velocidade ou na direção do vento vertical podem afetar o comprimento de onda e a direção de ondas atmosféricas, e de um modo que é consistente com o que este estudo descobriu sobre as propriedades destas ondas.
Precisamente, o estudo dos ventos verticais, e do transporte vertical, ganhou uma nova janela. Descobriu-se que duas técnicas de medida usadas em simultâneo mas a milhões de quilómetros entre si, com telescópios na Terra e sondas mesmo por cima de Vénus, têm estado a sondar a velocidade dos ventos horizontais a duas altitudes ligeiramente diferentes. Este resultado5 foi publicado em abril na revista científica Atmosphere e foi liderado por Pedro Machado, do IA e de Ciências ULisboa, também coautor do primeiro artigo já mencionado.
“Esta diferença é muito importante, pois podemos estudar e estimar a componente vertical do vento, ainda para mais numa região de extremo interesse em termos dinâmicos”, diz Pedro Machado. “Essa é a zona onde a atmosfera acelera até atingir um máximo do vento zonal (paralelo ao equador) e do vento meridional (perpendicular ao equador).”
O grupo de Pedro Machado está a medir a velocidade horizontal de ambos os ventos zonal e meridional através de uma técnica desenvolvida no IA. Esta técnica utiliza desvios de Doppler6 na luz solar refletida pelas nuvens de Vénus na direção de telescópios na Terra. A sua precisão, com recurso a espectrógrafos de alta resolução no Telescópio Canada France Hawaii, ou no Very Large Telescope (VLT), do ESO, no Chile, é notavelmente comparável à obtida com as dispendiosas missões espaciais que têm estado a rastrear os movimentos das nuvens mesmo por cima de Vénus: Venus Express e Akatsuki.
“Ao longo dos anos, temos vindo a medir velocidades dos ventos que são muito consistentes, mas também sistematicamente mais elevadas, em cerca de 40 ou 50 quilómetros por hora, do que as medidas com dados a partir de imagens de seguimento de nuvens”, afirma Pedro Machado. “Agora, com a sólida evidência de que estamos de facto a estudar duas altitudes diferentes, com as nossas observações com telescópios a sondar dois ou quatro quilómetros mais acima, vamos efetuar projetos de observação coordenada a partir do espaço, com a sonda Akatsuki, e a partir do solo, de modo a fazer o mapa da componente vertical do vento.”
Diferentes comprimentos de onda sondam diferentes altitudes, com a luz visível e a ultravioleta a serem refletidas por propriedades das nuvens altas, e o infravermelho a revelar as camadas mais baixas. “O próximo passo será investigar a propagação das ondas atmosféricas para outros níveis de altitude. Quanta energia é que elas conseguem transportar, e quão eficazes são em potenciar a super-rotação?”, pergunta José Silva.
Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA)
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