Crónicas e opinião
Concessão das barragens da EDP: a anatomia de um golpe
Retóricas novilinguísticas sobre socialismos e liberalismos à parte, o caso da concessão das barragens no rio Douro pela EDP à Engie é um daqueles sinais, por demais evidentes, de um longo historial de vassalagem do Estado aos mais poderosos interesses privados. Este negócio, que remonta a 2019, traduziu-se numa venda na ordem dos 2.200.000.000€, estando sujeito ao pagamento de Imposto de Selo de 5% do valor total da transacção, os tais 110 milhões de euros de que tanto temos ouvido falar nos últimos dias.
No ano seguinte, estávamos nós já demasiadamente ocupados com vírus e outras pandemias, o governo decide alterar o artigo 60 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) alargando a isenção do Imposto de Selo a qualquer estabelecimento comercial, industrial ou agrícola que esteja abrangido por operações de reestruturação. E o que fez a EDP? Reestruturou-se.
Assim, no final de 2020, a EDP criou uma empresa de fachada, com apenas um funcionário: a Camirengia. Constituído o veículo de apoio à negociata, a EDP transferiu a propriedade das barragens para essa nova empresa, que foi posteriormente comprada por uma outra empresa, a Águas Profundas, criada – imaginem lá – pela Engie. Curiosidade: a Camirengia foi criada a 14 de Dezembro de 2020 e vendida à Águas Profundas cinco dias depois, a 19 de Dezembro. Quase nem deu tempo para levar para lá as barragens todas. Aquele funcionário deve ter tido uma trabalheira que nem é bom pensar. Parecem negócios feitos à moda de uma certa câmara municipal que conhecemos bem.
Na semana seguinte, para não perder o ritmo, a Camirengia e a Águas Profundas, ambas sob controle da francesa Engie, avançaram para um processo de fusão. Estava feita a necessária reestruturação que, juntamente com as alterações ao EBF, levadas a cabo pelo governo, garantiram a tal isenção de Imposto de Selo. Uma fusão realizada a 25 de Dezembro, já com o bacalhau na panela a cozer, que isto é malta que empreende todos os dias, Natal incluído.
Resumindo: à luz da lei portuguesa, criar uma empresa de fachada, para lá colocar um imóvel, e de seguida vender essa mesma empresa a uma outra, com a qual posteriormente se funde, é uma reestruturação. Só que isto tem tanto de reestruturação como esta sandes mista que estou a comer tem de cabrito assado. No fundo, estamos perante mais um assalto ao contribuinte, com o alto patrocínio da passividade colaboracionista de um governo que facilitou o esquema e depois assobiou para o lado, fazendo de conta que não era nada com ele. Apesar de estar a par de todos os passos deste esquema, e de ter sido alertado para a possibilidade de fuga aos impostos. Mais um prego no caixão da democracia, com o alto patrocínio do Partido Socialista.
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