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Edição 729

“Uma pandemia, duas curvas para achatar”

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De uma maneira ou de outra, os quatro trofenses a quem demos espaço nesta edição, vivem, desde março, na linha da frente da luta contra a Covid-19. Uns bem perto, outro noutro país, são, a nosso ver, as vozes mais capazes de transmitir aos leitores aquilo que se está a passar dentro de um hospital, no interior das instituições ou nas habitações de muitos seniores, há muitos meses privados de verem ou abraçarem os entes queridos. Mas também são aqueles que melhor podem desconstruir a pandemia de desinformação que se propaga mais rápido que o próprio novo coronavírus e que, em muitos casos, pode ter implicações graves no esforço de quebrar as cadeias de transmissão da Covid-19, levando a que o trabalho destes verdadeiros “soldados” numa guerra pandémica seja prolongado, já para lá do que é, humanamente, possível.

Este espaço é um alerta para que todos nos mantenhamos comprometidos na luta contra a propagação do novo coronavírus e esse imperativo está vincado nos quatro testemunhos que recolhemos. E isso não é coincidência, é a confirmação de que é premente seguirmos as recomendações das autoridades de saúde.

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Este espaço que lhes demos e que lhes dedicamos é também uma homenagem d’O Notícias da Trofa a todos os profissionais de saúde que, desde março, roubam horas ao descanso, às famílias, a eles próprios para salvar vidas. Os heróis têm rosto: estes quatro são disso exemplo.

António Pedro Leal
Enfermeiro Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM)

“Uma pandemia, duas curvas para achatar”

Foto: arquivo

“A pandemia faz-nos viver um momento único nas nossas vidas. Um fenómeno inédito (pelo menos para a nossa geração) e para o qual não estávamos preparados. Terminologia como “Covid-19” ou “pandemia” passaram a fazer parte do nosso vocabulário no dia a dia. Na presente data, já ultrapassamos um milhão e trezentas mil mortes e cinquenta e quatro milhões de infetados em todo o mundo. A segunda vaga revela-se avassaladora num período pré-Gripe sazonal, de uma forma transversal todos os países, colocando a nu as fragilidades dos serviços de saúde. As enfermarias, serviços de urgência e unidades de cuidados intensivos estão lotadas, os profissionais são claramente insuficientes e estão exaustos. E isto eu sei porque é esta a minha realidade profissional desde o inicio da pandemia. Vejo os doentes crónicos com receio de recorrer às unidades de saúde cessando a terapêutica e agravando as patologias de base. Vejo, noutros casos, os serviços de saúde a serem claramente incapazes de dar resposta às solicitações. A pandemia trouxe um caos de difícil gestão. Como tentativa de resposta a uma situação inédita e imprevisível, os governos mundiais implementaram políticas (não raras vezes radicais) com o objetivo de controlar ou pelo menos conter a expansão explosiva da doença. O preço a pagar? Desemprego, crise, fome, desespero, revolta e… desinformação. Muita desinformação.

Em Fevereiro de 2020, Tedros Ghebreyesus (Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde) alertava para o fenómeno de “infodemia” (ou epidemia de desinformação) proveniente de teóricos da conspiração e negacionistas. E deixa o alerta: a infodemia dissemina a desinformação e isso prejudica a resposta coletiva à pandemia. De uma maneira geral a mensagem subjacente é sempre a mesma “Sars-Cov-2 não existe, querem-nos controlar”. Fazendo uso das redes sociais e do mundo digital, estas mensagens foram e são amplamente difundidas, criando dúvidas que não deviam existir e alterando radicalmente o comportamento da população, reduzindo ou anulando por completo a eficácia das medidas de saúde públicas implementadas. A repercussão da infodemia é de tal forma relevante que em Agosto a OMS emite um comunicado alertando para o número assustador de mortes diretamente relacionadas com notícias falsas relacionadas com a COVID-19.

A infodemia ganha novas proporções de dia para dia. Grupos e movimentos desenvolvem-se alheios ao conhecimento científico e à fundamentação lógica, alimentando a mentira e comprometendo a saúde individual e coletiva. A ciência, a investigação e o conhecimento médico são descredibilizados para darem lugar a teorias insanas e despromovidas de qualquer verdade. Estas teorias servem de albergue para todos aqueles que ficaram numa posição vulnerável como consequência dramática da pandemia. Acreditar em mitos e em teorias da conspiração são a face visível do desespero com que muitos foram confrontados. Ignoram a evidência. Criar dúvida e negando o que está a acontecer a nível mundial incentiva ao incumprimento das regras mais elementares, permitindo dessa forma a disseminação da doença na comunidade.

O efeito “bola de neve” na Pandemia: Uma doença descontrolada na comunidade significa a implementação de regras cada vez mais rígidas e a privação de direitos, liberdades e garantias. Significa confinamentos e recolher obrigatório. Significa a suspensão do trabalho e a perda de rendimentos. Significa desemprego e fome. Significa uma crise mais prolongada e cada vez mais incomportável. Controlar a progressão da doença só depende de nós, para que a normalidade – ou pelo menos a “normalidade” possível! – perdure até que uma solução definitiva seja encontrada. Grupos negacionistas incentivam o incumprimento e isso coloca-os num papel de responsáveis pelo descontrolo da doença.

Paradoxos do nosso tempo: numa era da informação acessível a qualquer um, até a má informação e a falsa informação têm um espaço. Um texto obscuro anti ciência chega a mais população numa rede social do que uma publicação científica feita num espaço de reconhecida credibilidade. É cientificamente aceite que a desinformação é perigosa para a saúde física e mental da população. Que permite que o medo se instale. Que isola as pessoas. Que destrói todos os ganhos em saúde conseguidos até então. A desinformação inviabiliza o cumprimento pelas mais elementares regras de saúde pública: a etiqueta respiratória, o uso de máscara, a desinfecção das mãos e o distanciamento social. A curva que traduz a progressão da doença acompanha a curva da desinformação. Compete ao Governo e aos seus órgãos consultivos a implementação de uma estratégia eficaz de comunicação, baseada na transparência e na verdade, assentes no “estado da arte” da ciência. Mas acima de tudo na coerência, e convenhamos, nem sempre tal se tem verificado. Medidas avulso tomadas superiormente criam dúvidas e inseguranças na população. E servem, perigosamente, para alimentar a desinformação negacionista. Por isso compete a cada um de nós perceber qual a proveniência de determinado texto ou informação, confirmando a veracidade dos factos, partilhando apenas as informações provenientes de fontes cuja credibilidade é plenamente reconhecida. Com quase um ano de pandemia já todos percebemos que a sopa de alho não cura a COVID19… De onde vem esta informação? Quem assina esta informação? Qual a fundamentação cientifica que sustenta esta informação? É este o espírito crítico com que devemos abordar os conteúdos com que nos cruzamos nomeadamente nas redes sociais.

Este texto não tem o objetivo de criar alarme ou pânico social. Tem como objetivo criar uma maior consciência nesta época particularmente crítica de expansão da doença, principalmente quando estamos prestes a entrar no Inverno, época tradicionalmente complexa para a saúde. Estamos a caminho das 220.000 infeções e 3.400 óbitos em Portugal e as perspetivas não são animadoras. Temos os serviços de saúde a trabalhar para lá dos limites das suas capacidades. Mas temos também a certeza de que tudo isto pode e deve ser minimizado, dependendo única e exclusivamente de NÓS. Como profissional de saúde, peço-vos algo simples: a utilização da máscara e a etiqueta respiratória, a lavagem e desinfeção das mãos e o distanciamento social são medidas extremamente eficazes e que fazem toda a diferença. Neste momento particularmente crítico, são gestos que revelam elevada consciência social e respeito pelo próximo. Ajudem-nos a ajudar porque ninguém mais do que nós deseja um final rápido deste capítulo das nossas vidas”.

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