Ano 2008
Violência no namoro: “Todos temos uma loucura e eu tenho a minha”
Aos 18 anos, Maria esteve refém no quarto e foi várias vezes perseguida e ameaçada. O agressor era o namorado: “sempre houve um ciúme exacerbado. No início soa a amor e até sabe bem, mas depois… é um terror”.
Maria (nome fictício) tinha 17 anos e apaixonou-se por “um homem mais velho, lindo”. “Era um deslumbramento. No início, ele quase estendia um tapete vermelho para eu passar”, recorda.
Um ano depois, Jorge (nome fictício) deixou o emprego em Lisboa e mudou-se para Coimbra, para ficar perto dela: era mais um sinal de amor. Mas foi esta proximidade diária que fez com que Maria sentisse que algo de errado se passava.
“Tinha de explicar por que é que estava a falar com esta ou outra pessoa, por que é que tinha ido aqui ou ali. Tinha que justificar tudo”, lembra, 15 anos depois, quando já consegue contar a história sem chorar.
De acordo com o estudo da Universidade do Minho sobre violência no namoro, um em cada cinco jovens é vítima de comportamentos emocionalmente abusivos. Actos de controlo ainda são vistos como manifestações de ciúme e confundidos com “provas de amor”, lembrou a autora do estudo, Sónia Caridade.
Maria foi-se afastando dos amigos e família, deixou de ter vida social, sentia-se “numa redoma”. Um dia percebeu que não queria continuar, mas ele já conhecia todas as suas rotinas e “tornou-se claustrofóbico”.
Terminou a relação e passou a ser perseguida diariamente pelo ex-namorado, que “fazia escândalos na rua” e “ficava noites inteiras” à porta de sua casa. “Começava a bater à porta às dez da noite e, com vergonha dos vizinhos, acabava por deixá-lo entrar. Quando ele percebia que as minhas colegas não estavam, fechava-se no meu quarto”.
Maria passava a noite com ele. “Ele obrigava-me a estar na cama e a ter relações sexuais sem querer. Era os píncaros da loucura. Não era uma violação, mas na verdade eu não o queria fazer. Era uma mistura de sentimentos, de amor e repulsa ao mesmo tempo e, no fim, acabamos por ceder de uma forma que não é normal”, recorda, lembrando que foi com ele que perdeu a virgindade.
“A violência sexual, a não ser quando envolve actos de maior gravidade, não é percebida pelos jovens como forma de violência. Quando se trata de pressão, coacção ou carícias indesejadas estas são desvalorizadas”, lembrou Carla Machado, orientadora da tese de doutoramento, para a qual inquiriu mais de quatro mil jovens entre os 13 e os 29 anos.
De acordo com o estudo, una em cada quatro relações de namoro na adolescência é marcada por episódios de violência e 25,4 por cento dos jovens portugueses são vítimas, pelo menos uma vez, de um acto violento na relação amorosa. Muitos não conseguem pôr fim ao namoro.
Maria sentia-se “sozinha”, “tinha vergonha” de assumir perante os outros que tinha escolhido mal o primeiro homem da sua vida e, no desespero, tentou o suicídio. “Eu não queria morrer, queria apenas que aquela loucura acabasse, nem que fosse por algumas horas”, recorda.
Foram os amigos que a “salvaram”, a “melhor amiga” que esteve com ela nos momentos difíceis, os colegas que chamaram a polícia quando ele não a largava.
“Apanhava-me na rua, agarrava-me no braço e nem a polícia conseguia que ele me largasse. Diziam que não podiam fazer nada porque eu não fazia queixa formal. Quando ele se distraía, fugia e era acompanhada pela polícia até casa, para garantir que ele não me iria fazia mal”, recorda.
A perseguição só acabou quando Jorge foi internado no Hospital psiquiátrico Sobral Cid, depois de se tentar suicidar, uma fórmula para a forçar a ficar com ele. Durante muito tempo, Maria tinha recorrentemente o mesmo pesadelo: “Passava a noite a sonhar que estava em fuga. Era um trauma da violência física de que fui alvo”.
Nos apontamentos da faculdade, ele deixou-lhe um recado que Maria só viu anos mais tarde: “Todos temos uma loucura e eu tenho a minha”.
** Sílvia Maia, da Agência Lusa **
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