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Poliglota

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Apesar de ser defensor do que é nosso, daquilo que simboliza a nossa Nação e de sentir-me também dono da língua que falo e que escrevo, isso nunca invalidou uma vontade clara de aprender o “Inglês”.

E são duas as razões principais. A primeira, porque na escola não gostava das outras opções, o “Francês” e o “Alemão” e a segunda, por vergonha.

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Vergonha de fazer as mesmas “ceninhas” que amigos meus faziam quando em plena pista de uma discoteca tentavam acompanhar as músicas mexendo os lábios simulando um inglês, que pouco sabiam, que não encaixava nas letras, sendo pior do que uma novela venezuelana traduzida para brasileiro. Por diversas vezes, quando gingava o meu corpo de um lado para o outro, de cervejinha na mão e com o radar ligado no modo “fêmea”, e um amigo se atrevia a abrir a boca quando nem o playback de um “yes” conseguia fazer, eu, disfarçadamente, ia dando uns passos para o lado e olhava pare ele como se não o conhecesse de lado nenhum e comentava com a miúda do lado, “Que parolo!”.

Mas antes disto e ainda muito criança, o que eu gostava mesmo era de falar a língua dos animais. Autodidacta, aprendi a miar para os gatos, a ladrar para os cães, a cacarejar para as galinhas, a roncar para os porcos (língua em que me tornei um “expert”), a relinchar para os cavalos,…, faltando-me rugir cara a cara com um leão! Toda esta lógica só foi quebrada uma vez, quando na comunhão de um primo mais velho, fui apanhado a mugir para um passarinho, depois de beber uma cerveja às escondidas debaixo de uma mesa.

Agora adulto, um destes dias quis ir mais além de quem estuda línguas mortas, como o aramaico ou o latim, e mergulhei nos primórdios da língua indo ao jardim zoológico praticar o meu guinchar com um macaco.

No portão de entrada, um cartaz a anunciar o desconto de 80% para quem conseguisse imitar um cavalo. Consciente do meu saber e das minhas capacidades, imitei um híbrido de elefante com rinoceronte a discutir com uma couve. Perante a estupefacção da senhora da bilheteira entrei de graça!

Dirigi-me lesto para a jaula do macaco. Pachorrento, ele dormia.

  • Acorda, pá! – gritei.
    E com o barulho, ele acordou.
     – U,u,u,u,u,uuuuuuuu,u,u,u,u,uuuu,u,u,u,u! – guinchei, num orangotangês erudito.
  • Pareces parvo, ó humano! – responde-me o macaco.
  • Ui, tu falas! – exclamei mais admirado do que se houvesse um consenso político em Portugal.
  • Sim, falo, ó parvalhão!
    Perante o insulto não me deixo ficar e respondo-lhe – Parvalhão és tu, eu tenho vergonha de descender de vós!
  • E nós macacos temos vergonha de ser ascendentes do Humano! Sois uns animais!
    Sem querer mais conversa com o parente, despeço-me num orangotanguês coloquial – U,u ,u uuu, u, u – e viro costas.
  • Pane…! – chamou-me o macaco.
    No regresso a casa, para relaxar da má experiência que foi a conversa com o macaco, tomo o caminho que atravessa o bosque. Aproveitei para praticar as palavras assobiadas das árvores e as palavras das plantas empurradas pelo vento! Cheguei a casa convicto de que percebia todos os seres do mundo e ouço barulho ao fundo, na sala.
  • Zé, já chegaste? Anda cá. – chamou-me a Cristina – Estas são as minhas amigas. – diz-me, apresentando-me, uma a uma.

    Para parecer simpático deixei-me ficar com elas cinco minutos, que me fizeram perceber que continuo a não compreender o dialecto feminino!

    Saí de casa e voltei ao jardim zoológico, para conversar com o macaco.
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