Edição 673
No Pó dos Arquivos – M. Moutinho Duarte
Venda de bens pertencentes aos Passais
Ao longo do século XIX, no lento processo da implantação do liberalismo em Portugal, foi publicada legislação – abundante e variada – inspirada nos ideais das “Luzes”, que haviam justificado a Revolução Francesa, nos finais do século anterior. Legislação que preconizava a soberania popular e a supressão dos privilégios da Clero e da Nobreza. Das investidas políticas aos bens da Igreja Católica, importa realçar: o Decreto de 30 de Maio de 1834, de Joaquim António de Aguiar, o “Mata Frades”, que declarou extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas das ordens religiosas, sendo os seus bens incorporados na Fazenda Nacional; e a Lei de 28 de Agosto de 1869, de José Luciano de Castro, que tornou a desamortização extensiva aos bens e direitos imobiliários que constituíam os passais dos párocos e aos terrenos baldios dos municípios e paróquias. De fora ficavam, apenas, as residências paroquiais e os terrenos contíguos indispensáveis ao uso pessoal dos párocos, bem como aos terrenos necessários ao logradouro comum dos municípios e paróquias.
A leitura da correspondência trocada entre o Administrador do Concelho de Santo Tirso e o Delegado do Tesouro do Porto permite conhecer alguns efeitos da aplicação das disposições de 1869, nas paróquias vizinhas.
Do Administrador para o Pároco de São Mamede de Coronado: “constando-me há dias que V. S.ª intenta vender um tanque de pedra com lavadouros sito no Campo da Bica, pertencente ao passal dessa freguesia, cumpre-me informar que o referido tanque não pode ser alienado (1877)”. Do Administrador para o Pároco de Alvarelhos: “tendo chegado ao meu conhecimento que V. S.ª vendera os sobreiros que existem em volta da capela de S. Marçal, informo que tal venda é nula e, por isso, torna-se necessário que V. S.ª desfaça a referida venda (1878)”.
Do Administrador para o Delegado do Tesouro: “remeto a certidão da afixação da lista dos bens pertencentes à Igreja de São Martinho de Bougado, que têm de ser vendidos até ao dia 28 de Abril de 1877”; “remeto dois requerimentos, um do pároco da freguesia de Covelas e outro do pároco da freguesia de São Romão de Coronado, nos quais os mesmos párocos pedem para que sejam exceptuados da desamortização as respectivas residências e os terrenos reclamados nos requerimentos (1877)”; “remeto a certidão da afixação da lista dos bens pertencentes aos passais de Covelas e São Romão de Coronado (1877)”; “tenho a honra de enviar a V. Ex.ª a certidão da afixação da lista dos foros pertencentes ao passal de S. Romão de Coronado (1879)”; “tenho a honra de enviar os requerimentos que me foram apresentados pelos arrematantes do passal de Covelas (1880)”; “em cumprimento do ordenado no Ofício de V. Ex.ª com referência ao requerimento do pároco de Covelas, ouvi o próprio pároco, Manuel António dos Santos(1), actual possuidor do Campo da Seara, que fez parte do Passal, que me declarou que não estava lembrado se tinha repartido a água do ribeiro do Covelas pelas diferentes terras do mesmo passal, mas que no caso de a não ter dividido se procedesse agora a uma divisão proporcional. E acrescentou que as terras que costumavam ser regadas, além do Campo da Seara, eram o Lameiro da Levada, o Lameiro do Moinho, o Lameiro da Porta da Cozinha, o Lameiro da Nogueira e o Campo do Souto. E declarou que comprara o Campo da Seara ao indivíduo que o tinha arrematado, e como na lista que anunciara a praça, se dizia que o Campo da Seara tinha água do ribeiro desde o dia de São João até 15 de Agosto, entendia que toda a água era sua naquele espaço de tempo e que, por isso, tirava por meio de um engenho a que lhe sobrava do Campo da Seara para outro campo de que era senhor. Nada mais posso informar sobre o assunto (1878).”
(1)O padre Manuel António dos Santos era natural de Covelas, filho de lavradores proprietários, da aldeia de Rindo.
Fonte: C. M. de Santo Tirso. Correspondência Expedida. Livros n.º 775 (1875-1877) e n.º 776 (1877-1880)
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