Edição 605
Fotografou a assinatura da fundação do Partido Socialista
Mário Soares faleceu a 7 de janeiro. O antigo governante português, por muitos apelidado de “pai da democracia” fundou o Partido Socialista, numa cidade alemã. O NT descobriu uma das pessoas, residente na Trofa, que fez parte das cerca de 30 que assistiram à fundação do partido.
Dois dias depois de o filho nascer, a 19 de abril de 1973, António Diniz, emigrante na Alemanha, aceitou o convite de um professor português com quem tinha alguma confiança. Como tinha a esposa ainda na maternidade e estava sozinho, partiu com ele de carro até Bad Münstereifel, numa viagem de mais de 200 quilómetros, para assistir a uma cerimónia onde estariam presentes militantes da Acção Socialista Portuguesa. “Não tinha a noção” de que o momento que iria testemunhar ia virar efeméride, mas como já gostava de fotografar, levou a máquina para registar o que lá se passaria. Quando viu Mário Soares e outros militantes da Acção Socialista Portuguesa a assinar “uns documentos”, António Diniz fotografou. Estava oficializada a fundação do Partido Socialista. António Diniz percebeu, então, que era uma das poucas testemunhas de um dos momentos mais importantes da história da política portuguesa.
A fotografia, pensa, foi “publicada na revista Século Ilustrado”, da qual era assinante, mas hoje não sabe se ainda a tem guardada. “Não a valorizei, mas terá sido a única imagem registada do momento da assinatura. Se a tivesse, teria um valor histórico incalculável”, afirmou em entrevista ao NT.
Na plateia, estavam “cerca de 30 pessoas”, poucos “eram da Alemanha” e havia gente proveniente “da Suiça e da França”, recordou António Diniz.
Os tais “documentos” que os congressistas assinaram eram prova do que tinha acontecido naquela sala. Em congresso, “ponderando os superiores interesses da Pátria, a atual estrutura e dimensão do movimento, as exigências concretas do presente e a necessidade de dinamizar os militantes para as grandes tarefas do futuro, deliberou transformar a Acção Socialista Portuguesa em Partido Socialista”. Estava concluído o projeto político iniciado a 1964 por Francisco Ramos e Costa e Manuel Tito de Morais.
Mário Soares, que estava exilado, foi eleito secretário-geral de imediato e desempenhou o cargo durante 13 anos, até 1986.
Em Portugal, já se preparava a revolução que despontou a 25 de abril de 1974. Mário Soares recebeu a notícia do golpe de Estado e regressou ao país naquele que ficou conhecido como o “comboio da liberdade”.
Mário Soares foi primeiro-ministro por dois mandatos, de 1976 a 1978 e de 1983 a 1985 e Presidente da República entre 1986 e 1996.
Espírito revolucionário
Aquele episódio, no entanto, acabou por encaixar num espírito revolucionário que António Diniz já alimentava desde jovem, contra a opressão e as dificuldades financeiras vividas por uma população sob a liderança de um regime ditador. Ao NT, Diniz, natural de Oliveira Santa Maria (Vila Nova de Famalicão), recordou que um dia, a pouco tempo das eleições de 1958, a troco de “umas coroas”, pintou “Viva Humberto” na estrada em paralelo junto à Igreja onde ajudava à missa como acólito. “Havia missa todos os dias por volta das seis da manhã e nesse dia lembro-me bem de ter acordado mais cedo, ainda de noite, e saí com a lata de tinta branca escondida. Pintei a frase e depois fui ajudar à missa. No dia seguinte, o padre veio ter comigo, pôs a mão no meu pescoço e com uma das unhas a cravar-me na pele perguntou se eu sabia quem tinha pintado a frase. Eu neguei, mas acho que ele sabia que tinha sido eu”, relatou.
Mais tarde, com cerca de 20 anos, desafiou novamente o regime quando pegou num título do jornal da JOC (Juventude Operária Católica), da qual fazia parte, e afixou na fábrica têxtil Sampaio Ferreira. Dizia “Todo o mundo fala de paz. E a guerra quando começa?”. Passado pouco tempo, foi chamado pelo “mestre”, que retirou o papel e o preparou para o pior. “Na fábrica havia um velho guarda, que revistava os funcionários e espalhava o medo entre as pessoas, que pertencia à PIDE. O mestre disse que eu estava tramado e, logo no final do dia de trabalho, fui pedir ajuda ao padre, que intercedeu por mim e evitou que eu apanhasse uma porrada. Ainda hoje, quando vou ao cemitério da minha freguesia faço uma vénia junto à sepultura dele”, relatou.
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