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Edição 603

Não tentes

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No último texto antes de virar a página para um novo ano, vamos falar sobre o que somos, o que não somos e o que poderíamos ser. Uma espécie de resolução, não de ano novo, mas de vida nova. Não é por ser dezembro, mas sim porque o contexto assim o pede.
Recentemente, fui ao encontro de um livro – que fica desde já recomendado como Livro da Quinzena – que tem mudado, a pouco e pouco, alguns dogmas e convicções que sempre tive. Escrito por Mark Manson, tem o título “The Subtle Art of Not Giving a F*ck”. Gostaria que a língua portuguesa tivesse uma tradução que fosse tão forte e sucinta, mas infelizmente não tem.
Foi neste livro que eu descobri um pouco mais sobre a história do escritor e poeta Charles Bukowski. Bukowski, na sua lápide, tem escritas as palavras “Don’t Try.” Não tentes.
Desde que ouvi o Ricardo Araújo Pereira falar sobre epitáfios que ganhei um interesse especial por eles, tendo em conta que, se pensarmos bem, são as últimas palavras que uma pessoa deixa na Terra e, sendo assim, será provavelmente um resumo da forma como essa pessoa via a vida. Portanto, tendo em conta esta perspetiva, Bukowski via a vida daquela forma. Não tentes.
Não tentar não significa que iremos desistir dos nossos sonhos ou objetivos, que iremos deixar de nos esforçar para que a vida seja mais do que apenas um conjunto de respirações, ou que vamos ver o tempo passar à espera de morrer. A filosofia do Não Tentar, quanto a mim, vai muito além disso. E a pedra basilar é: não tentarmos ser quem não somos.
Vivemos numa sociedade que definiu padrões para tudo. Há ideais de beleza, ideais de sucesso, ideais de carisma, ideais de tudo e para tudo. E, na nossa cabeça que, se não tivermos cuidado, é levada a entender esses ideais como objetivos de vida a atingir, se não cumprirmos os requisitos que a sociedade nos impõe, somos feios, somos falhados, somos inúteis. É por isso que, muitas vezes, tentamos mostrar uma versão de nós… que não existe. Tentamos passar uma imagem para os outros, à procura de uma espécie de validação por parte de alguém que é exterior a nós. Não só tentamos ser quem não somos, como esperamos aceitação de pessoas que não têm de nos aceitar.
Este processo tem de ser individual. Quando deixamos de tentar, quando paramos de tentar ser alguém que não somos, há uma espécie de uma aceitação própria que é o primeiro passo para que consigamos atingir algo. Aceitamos as nossas limitações, temos a perfeita noção delas e sabemos que, quem está connosco, também conhece as nossas limitações. Torna tudo mais verdadeiro e o sucesso mais saboroso. Porque muita gente pode sonhar com sucesso e dinheiro instantâneo, mas na vida o verdadeiro sabor está no caminho e não no destino. Vencer apesar das limitações é mais saboroso do que vencer por causa de vantagens. Há quem pense o contrário. Por esta casa, pensa-se assim.
Por isso, a resolução que deixo para 2017 – mas, sobretudo, para a vida no geral – é deixar de tentar. Sermos honestos connosco, fazermos uma autoavaliação correta e, conhecendo os nossos limites e também as nossas qualidades, atingirmos aquilo que está ao nosso alcance. Nem toda a gente foi feita para o estrelato, para a fama ou para o sucesso internacional. Às vezes o nosso sucesso está mesmo à nossa porta.
Literariamente, estamos conversados.

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