Edição 544
Crónica: Portugal é dos portugueses
Portugal, uma jovem democracia de 40 anos, nascida do 25 de abril de 1974, está com profundas e rápidas alterações, desencadeadas em torno do “processo legislativo” de 4 de outubro. Um novo posicionamento partidário, mais assente em acordos e interesses do que em bases ideológicas claras, estranhamente suportados por argumentos tendenciosos, protagonizados por uma classe política medíocre, já desgastada, comprometida com interesses que não são o dos cidadãos, impulsionam o romper de “velhos acordos” que fazem ruir o “arco da governação” – nada será como dantes…
A história eleitoral recente, legislativas de 2011, marcou o fim de um ciclo na política portuguesa, com PSD e PS ao centro, na disputa do tradicional eleitorado indeciso, mas que lhes era fiel, o CDS à direita, com um discurso renovado de abandono do ceticismo pela moeda única enquanto, à esquerda, a jovem força do Bloco de Esquerda reforçava a sua presença ladeado pelo PCP em contraciclo com a tendência de decadência dos comunistas na Europa.
A formação de Governo (2011-2015) aproximou o PSD de Passos Coelho e CDS de Paulo Portas, motivados pela correlação de forças (número de deputados). Os tempos eram de austeridade, imposta pela “troika”, que castigava os portugueses pelos excessos cometidos, por vários governos. Os políticos passaram a ter uma nova forma de controlar as pessoas, o medo. Para tudo era o medo da “troika” que disfarçava os constantes sinais de falta de carácter e dúbia conduta, ora os submarinos do “irrevogável” Portas, ora a falta de entrega de IRS e de descontos à Segurança Social de Passos Coelho. No Parlamento, 4 anos de “ditadura” da maioria em nome da austeridade, permanentemente silenciando a oposição, mesmo quando se falava de opções (dentro da própria austeridade). O clima foi claro “eu quero, eu posso e eu mando” em claro resgate da democracia.
O escândalo da prisão de José Sócrates fez manchetes nos jornais, e dava evidências de que alguma coisa nova se estava a apoderar dos corredores do poder… Chegaram as legislativas de 2015. Os estrategas partidários estavam conscientes que os partidos do poder cometeram excessos e ultrapassaram o admissível, só uma estratégia arrojada poderia contrariar os dados das sondagens que teimavam fixar o PS à frente do PSD. Havia uma necessidade de esconder as siglas e os emblemas dos partidos e somar votos de forma meramente aritmética, “PàF” o nome da coligação pré-eleitoral que uniu CDS e PSD, que abandonou a social-democracia e se converteu às políticas de direita. A distância entre uma “nova” direita que queria chegar à frente, somando mais deputados, para ganhar o direito da formação de governo foi distanciando a possibilidade de entendimento ao centro, da forma que os portugueses sempre foram habituados – a tal tradição, que se começou a romper.
À esquerda, os sinais de aproximação já se tinham feito sentir, o abandono por parte do PS de António Costa dos investimentos públicos megalómanos, em que assentavam as políticas de José Sócrates. O PCP a alterar o seu discurso de “saída do euro para estudar-se uma necessidade de saída do euro” (o que é completamente diferente) e o Bloco de Esquerda, com uma maturidade assinalável, de um partido unido sob a voz clara de uma emergente Catarina Martins. O clima ameno dos debates televisivos entre as forças de esquerda era o prenúncio de convergência. Em nenhum momento ficou fechada a possibilidade de um entendimento pós eleitoral, facto que nunca antes tinha acontecido. O denominador comum era claro “contrariar a austeridade e as políticas preconizadas pela direita”. António Costa foi até mais longe, predestinou o chumbo a um orçamento de estado para 2016, apresentado pela direita, mesmo sem o conhecer! O entendimento para uma solução governativa entre a Coligação “PàF” e o PS, estava definitivamente posta de lado pelo rumo dos acontecimentos! O excessivo protagonismo, assumido por uma pequena força política, o CDS, que vale pouco mais de 5% do eleitorado português, e que ganhou direito a apresentar-se lado a lado com o PSD para negociar com o PS, tornou impossível um entendimento “ao centro”. Para aumentar as profundas divisões que todo este processo impôs ao povo português, extremando os conceitos de direita e esquerda, acrescentou o Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, na sua pronúncia ao país para a formação do governo, ao intempestivamente assumir o papel de “velho do restelo”, diabolizando Bloco de Esquerda e PCP, mostrando-se incapaz de fazer uma leitura da expressão de votos de um milhão de portugueses, que disseram sim ao acesso de outras forças partidárias a soluções governativas! A democracia está mais participativa com os portugueses mais interventivos – Portugal mudou!
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