Edição 495
Voluntariado para ajudar crianças de Moçambique
A vida de Diana Pereira mudou radicalmente, no início de maio. A jovem trofen-se decidiu trocar o conforto do lar e mudar-se de armas e bagagens para Quelima-ne, cidade de Moçambique situada na província da Zam-bézia, uma das mais pobres do mundo. Objetivo: cumprir meio ano de voluntariado na Missão CIGLO, que integra europeus no combate à pobreza em África.
Através da ATACA – Associação de Tutores e Amigos da Criança Africana –, Diana Pereira cumpriu o desejo de alargar o espetro da experiência de voluntariado para o estrangeiro, uma vez que, em 2009, tinha dado apoio no acompanhamento escolar a crianças e jovens, no Grupo de Acção Social do Porto.
Em Quelimane, essa é uma das atividades que a jovem da Trofa tem em mãos, através da gestão do Projeto Tutor à Distância, que consiste “no apadri-nhamento de crianças moçambi-canas por um tutor português”. Atualmente, são apoiadas cerca de 300 crianças, cujos donativos dos “padrinhos” são geridos pelas irmãs de cada instituição e entregues diretamente ao responsável pela criança. Os voluntários trabalham para capacitar as famílias de “competências” para “atingirem a autonomia financeira”, contribuindo para “o aumento da qualidade de vida das crianças”. Em entrevista ao NT, Diana Pereira explicou que são feitas visitas domiciliárias através das quais são “avaliadas as necessidades” de cada agregado e também é dado apoio na “criação de pequenos negócios e/ou infraestruturas”. Os voluntários são o “elo de ligação” dos padrinhos e afilhados, dando conta “das notas escolares, entrega de cartas ou elaboração de vídeos ou atividades de desenvolvimentos pessoal, quer com as crianças internas, quer com as externas”.
“Damos apoio escolar, cuidamos das crianças e jovens quando estão doentes, desenvolvemos atividades lúdicas e formativas, como por exemplo, o desenvolvimento de um torneio de futebol, ida à praia, festejo dos aniversários, concurso de melhores notas e atividades de carpintaria e agropecuária (cuidar do galinheiro e das árvores de fruto)”, acrescentou.
Face à presença dos voluntários, as crianças externas à instituição Casa Esperança, onde Diana Pereira e os colegas trabalham diariamente, são “extremamente simpáticas, cumprimentam e querem falar”. “Pedem para tirar fotografias, olham e tocam com curiosidade, exploram o nosso tom de pele, o cabelo. Outras são extremamente tímidas e as mais novinhas já choraram quando nos viram, provavelmente por ser a primeira vez que viram uma pessoa de cor diferente”, documentou. Os mais novos têm dificuldades na compreensão dos objetivos do projeto, mas os mais crescidos “empenham-se no envio de notícias para os padrinhos”.
Na Casa Esperança é diferente, a presença dos voluntários é quase diária.
“Desde o primeiro dia apai-xonamo-nos por aqueles meninos. São todos diferentes, mas em cada um encontramos uma característica especial. Devido ao ambiente institucional verifica-se uma maior dificuldade na demonstração de afetos, embora os seus olhos o peçam, as atitudes e o corpo por vezes são rígidos e não o aceitam facilmente. Só com o passar do tempo vão-se abrindo e chegando até nós. Talvez porque desde cedo aprenderam que, indubitavelmente, podem perder aquilo que aprenderam a amar. E nós somos os ‘tios’ brancos que vêm, mas um dia irão embora. Queremos conquistá-los, enchê-los de mimo e ao mesmo tempo cortar o cordão umbilical, para que possam crescer e voar sozinhos. Voar em direção a um futuro promissor, que lhes possibilite tornarem-se adultos autónomos e independentes, afastados do limiar da pobreza extrema. A Casa Esperança tem sido o maior desafio, em termos emocionais”, afiançou.
Resistência à medicina foi grande obstáculo
As dificuldades de comunicação interfiram, inesperadamente, no trabalho dos voluntários, que também encontraram no tradutor outro “entrave” à “criação de empatia e confiança nessas relações”. Este problema agrava-se quando a equipa tem de lutar contra crenças extremamente enraizadas. Diana contou que a população acredita “em curandeiros e feitiçarias” e “desvalorizam a medicina convencional”. Algumas famílias “são capazes de dar tudo o que têm para salvar uma vida”, através de rituais como dança com tambores, quando, num hospital “não cobrariam nada pelo tratamento prestado”.
Apesar de estar ciente dos números que colocam Moçambi-que nos tops pelos piores motivos, foi difícil para Diana Pereira “conhecer os rostos que representam essas estatísticas”. “Sensibilizou-me conviver com mamãs VIH+, conhecer crianças que faleceram por desidratação secundária a doenças banais, conhecer as casas dessas famílias e as suas condições precárias de vida e de subsistência. Muitas famílias vivem sem eletricidade e água canalizada, muitas sobrevivem da macham-ba (hortas pessoais) e quando a produção é insuficiente têm de vir pedir esmola para a cidade. Conheci muitas crianças que não tinham dinheiro para comprar o uniforme escolar, que é obrigatório, e muitas que terminam o ensino básico sem saberem ler nem escrever”, descreveu.
Crise económica
e de valores
Apesar de não querer ser “extremista” ao ponto de dizer que a experiência em Moçambique mudou a forma de ver o mundo, Diana Pereira não nega que “mudou a perspetiva” que tem de “algumas coisas”. Desde logo, salta à vista a maneira de viver da sociedade portuguesa, antagónica da que está a presenciar há quase meio ano. Hoje, lamenta o “comodismo” vivido em Portugal, a “desvalorização das pequenas coisas do dia a dia” e “a necessidade de consumismo e materialismo extremo”.
“Em Moçambique persiste o sentido de entreajuda, de solidariedade familiar intergeracional e não só, já que também se verifica o apoio entre vizinhos e amigos em maiores necessidades. Posso dizer que encontrei pessoas muito felizes que aceitam o que a realidade lhes dá, sem se tornarem vítimas do seu próprio destino. Talvez seja essa a maior aprendizagem que levo desta experiência, a capacidade de aceitar aquilo que a vida me oferece de bom e de mau. Tudo é passageiro, por isso há que valorizar ambos os lados da moeda, pois é principalmente nos momentos considerados maus que mais evoluímos enquanto seres individuais”, sublinhou.
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