Edição 490
Envolver, Informar e Questionar
Olá caros leitores d’O Notícias da Trofa! Início a minha intervenção neste espaço com uma efeméride da maior relevância para a história recente do país. Trata-se do segundo aniversário da manifestação “Que se lixe a Troika! Queremos as nossas vidas!”, que a 15 de setembro de 2012 juntou centenas de milhares de portugueses um pouco por todo o pais contra a austeridade e contra a intenção do Governo de reduzir a TSU dos patrões à custa do aumento da TSU dos trabalhadores.
Olhando para os efeitos práticos da manifestação, concluímos que foi bem-sucedida se considerarmos que as alterações à TSU não avançaram. Concluímos também que é possível que pessoas de sensibilidades tão diferentes saiam à rua unidas por um objectivo comum, algo raro num país tendencialmente passivo. Mas, no essencial, foi uma manifestação que, tal como tantas outras, teve efeitos residuais sobre o garrote destrutivo que o programa de assistência representa para o país. E assim foi porque nunca há uma acção concertada e objectiva que se suceda a estas manifestações. As pessoas manifestam-se até à hora do jantar e no dia seguinte é como se nada tivesse acontecido.
Temo que um dia as pessoas deixem de se manifestar. Que se deixem acomodar às supostas inevitabilidades do quotidiano de um país onde a impunidade dos poderosos, a corrupção política ou a dualidade de um sistema de justiça que prende o desgraçado que rouba um quilo de arroz e amnistia o banqueiro fraudulento passem a ser vistas com normalidade e como que institucionalizadas. E esse dia parece estar cada vez mais perto, basta ler os jornais e ver o que se passa à nossa volta, da promiscuidade entre política e negócios aos resgates a bancos à custa dos contribuintes, passando por políticos sem escrúpulos, que enganam os eleitores na sua busca do poder e onde a ética e a moralidade deixaram de ter lugar, para perceber que os valores democráticos sobre os quais a sociedade pós-ditatorial foi refundada são permanentemente pervertidos, violados e esmagados pelos apetites vorazes das elites dirigentes. E tudo isto acontece perante a serenidade de uma sociedade que parece ter esquecido que é na soberania popular que se encontra a essência da criação da República Portuguesa enquanto Estado de direito democrático.
Mas, perguntar-se-ão muitos, o que podemos nós, simples cidadãos, fazer para contrariar a impunidade do “sistema”? Muito mais do que imaginamos. A começar por nos envolvermos e informarmos sobre as decisões e negócios levados a cabo pelos dirigentes eleitos com o nosso dinheiro. E questionar essas mesmas decisões e negócios. É que o “sistema”, do alto da sua arrogante prepotência, não está preparado para ser questionado. E quando se depara com uma cidadania activa e construtiva, a máscara tende a cair e o joio torna-se mais fácil de separar. A corrupção, o clientelismo ou a fraude não são inevitabilidades e existem países onde o escrutínio dos responsáveis políticos é elevado, estruturado e eficaz. Este pode ser um ponto de partida para uma nova era da nação que já deu mundos ao mundo e que não é menos capaz que outros parceiros europeus.
Regresso ao início: mais do que um acto isolado de levantamento popular, a manifestação de 2012 pode e deve ser entendida como a constatação da capacidade do cidadão comum de entrar num braço-de-ferro com o poder a ganhar. Mas, para que tal aconteça, é necessário uma sociedade envolvida, informada e capaz de questionar. Envolvam-se, informem-se e questionem vocês também. Eu vou andar por aqui a questionar. Cá vos espero!
João Mendes
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