Edição 471
Que crianças damos ao mundo?
A editora Tangerina é uma (premiada) editora portuguesa de livros infantis, se temos que lhe colocar um rótulo. Na verdade, os livros belos e cuidados que saem dos seus “fornos” são igualmente atrativos para miúdos e graúdos e fazem surgir uma criança no mais empedernido dos adultos (digo eu…).
E foi o seu livro mais recente que despoletou esta minha reflexão. Com o sugestivo título “Lá Fora – guia para descobrir a natureza”, pretende incentivar o leitor a sair do sofá e a descobrir a natureza que o rodeia, quer more numa aldeia quer numa cidade. Eu, que ainda só vi as páginas disponíveis no site da editora, fiquei cheia de vontade de pegar no livro e seguir as bonitas ilustrações, procurando borboletas pelos jardins da minha cidade. Mas eu sou suspeita, porque já costumo deitar-me na relva a observar as nuvens, tento identificar as árvores que se cruzam no meu caminho, passeio descalça na areia, seja verão ou inverno, … Será este livro assim apelativo para uma criança nos dias de hoje?
Tenho muitas crianças à minha volta (não neste preciso momento…): primos, sobrinhos emprestados, vizinhos. Uns moram na cidade, outros num meio rural (mais próximo de uma aldeia do que de uma vila). E, estranhamente (ou não?) os seus hábitos e comportamentos são idênticos. Quando não estão na escola ou nalguma atividade extra-curricular, estão agarrados ao computador, à consola de jogos, à televisão, ao telemóvel.
Já me começo a sentir velha ao dizer estas coisas, mas… o mundo mudou assim tanto que as crianças já não podem brincar na rua? Não me parece que seja esta a questão. Por exemplo, tanto o sítio onde cresci como a aldeia onde passei muitas férias continuam como há uns bons anos atrás, mas agora não se veem miúdos a jogar à bola, a andar de bicicleta, a subir às árvores ou a jogar às escondidas.
Em Inglaterra, um projeto, que envolve inúmeras associações e organizações, pretende reaproximar as crianças da natureza. O relatório que elaboraram mostra que a distância percorrida pelas crianças em brincadeiras fora de casa diminuiu 90% em 30 anos, e o tempo gasto naquelas teve uma queda de 50% em apenas uma geração.
Outros estudos mostram que o tempo na natureza aumenta a nossa felicidade, saúde e qualidade de vida.
Que adultos serão estas crianças que têm muitas atividades, é verdade, mas dentro de portas? E que relação têm (e terão) com a natureza, que lhes “passa ao lado”?
Se falhámos na nossa obrigação de deixar um mundo melhor para as gerações vindouras, não corremos também o risco, neste momento, de falhar no dever de dotar as crianças – e jovens de hoje – de ferramentas necessárias para serem elas a manter a esperança num futuro?
Mas não se trata de encontrar “culpados”. O importante é inverter esta tendência e trazer as crianças para a natureza. E não é preciso nenhum livro (apesar de poder ser uma bela ajuda). Mas é preciso tempo. Tempo para sair para aprender a identificar algumas árvores e plantas nos jardins do bairro; tempo para fotografar animais (em liberdade) num parque ou campo próximo; tempo para recolher plantas e fazer um herbário; ou apanhar conchas e fazer um mostruário; …
Ema Magalhães | APVC
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