Edição 417
O pai do teatro na Trofa
Avelino Dias de Sá partiu sem que lhe fosse reconhecida a atividade que desenvolveu em prol da cultura
Avelino Dias de Sá alimentou a paixão pelo teatro na Trofa e levou à cena várias peças de renome. Quarta-feira, 27 de março, assinalou-se o Dia Mundial do Teatro e o NT conta a história daquele que, com 79 anos, faleceu sem que, pelo menos, o amigo António Moreira pudesse concretizar a homenagem que lhe estava a preparar.
Findava a década de 1950 quando Avelino Dias de Sá fundou o Conjunto Dramático da Trofa Velha. O amor pelo teatro há muito que se tinha manifestado ganhou outra proporção quando, ainda menor de idade, foi convidado a substituir um ator, no Teatro Experimental do Porto, onde passava dias a ver os ensaios.
“A Bandeira Roubada”, levada a cena na Trofa, foi o primeiro passo para a concretização do sonho de pisar o palco na terra natal.
O “êxito enorme” obtido com a peça foi de tal forma que Avelino Dias de Sá iniciou um trajeto ímpar no teatro, esquecido por uns, mas na memória de outros. Na segunda categoria cabe António Moreira, também amante do teatro e do trabalho que Avelino desenvolveu na cultura. Conheceram-se igualmente no palco e “marravam” um com o outro sobre pormenores das peças, mas Avelino acabava por ganhar, tal era a teimosia. Mas as discussões “eram só sobre trabalho” e confinavam-se ao palco. Fora dele, construíram uma relação de amizade que até há bem pouco tempo se manifestou quando António Moreira o foi visitar à ASCOR (Associação de Solidariedade Social do Coronado), onde passou os últimos dias da sua vida e, mesmo debilitado com a doença de alzheimer, Avelino Dias de Sá reconheceu-o.
A 14 de fevereiro, com 79 anos, Avelino Dias de Sá não resistiu e partiu sem que o António Moreira conseguisse concretizar a homenagem que lhe estava a preparar desde há algum tempo, a título individual, depois das tentativas de “envolver a Câmara Municipal”. “Em agosto de 2008, alertei numa carta num jornal da Trofa para que não se esquecessem dele. Alertei para o esquecimento até então havido, mas nada aconteceu. Eu tinha programada uma festa de homenagem que iria ser feita no dia 13 de fevereiro deste ano, mas quis o destino que ele tivesse que ser internado uma semana antes no Hospital de Santo Tirso, onde viria a falecer no dia 14 de fevereiro”, afirmou.
Mais do que na morte de “alguns familiares”, António Moreira sentiu “mais” a partida de Avelino Dias de Sá, agravada pela impossibilidade de o poder homenagear em vida. “O Avelino Dias de Sá disse-me, uns dias antes de falecer, que nunca ninguém quis saber dele, e que iria morrer sem que lhe dissessem pelo menos um obrigado”, revelou.
Depois de saber que o pai tinha reconhecido António Moreira já num estado avançado da doença, a filha de avelino Dias de Sá decidiu contactá-lo para lhe mostrar que “ficou muito sensibilizada” com as intenções de homenagear o pai. Por isso, António Moreira não desistiu de lhe fazer um reconhecimento, recolheu todos os dados biográficos e divulgou-os ao NT.
Depois de peças de renome, o teatro de revista
Depois do sucesso da primeira peça, seguiram-se outras como “Antígona”, “Os Dois Órfãos em Paris” e “Cama, Mesa e Roupa Lavada”. Os primeiros ensaios foram feitos “num moinho velho, junto ao rio Covelas”. Os atores também eram apoiados “pelos lavradores, que os deixavam ir para os celeiros ensaiar”.
Ao fim de dez anos, o grupo mudou de nome, passando a designar-se Conjunto Dramático e Paroquial de Bougado, já que as representações passaram a ter lugar no Salão Paroquial de Santiago de Bougado. Nesse palco, Avelino Dias de Sá encenou peças de renome como “Os Náufragos”, “O Céu da Minha Rua” e “Amor de Perdição”. “Durante 20 anos, o Avelino deve ter encenado cerca de 20 peças”, contou.
O ano de 1982 marcou a última peça de Avelino Dias de Sá, “O Turbilhão”. A designação não podia combinar melhor com o que se passou a seguir. “O padre de Bougado queria que lhe entregassem as peças antes de ele as ensaiar, para censurar. Um dia, o Sá entregou a peça que lhe tinham emprestado ao padre e quando a teve de volta, estava toda rasurada com caneta de tinta permanente. O padre também queria que o Sá lhe desse a receita da bilheteira, mas esse valor era utilizado para as despesas, já que o guarda-roupa era alugado no Porto”, documentou António Moreira. A relação entre os dois azedou e Avelino Dias de Sá “bateu com a porta”.
O “bichinho” manteve-se vivo e Avelino cumpriu uma nova etapa ao criar o teatro de revista, então denominado Grupo Cénico da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Trofa, onde a primeira revista levada a cena era baseada na Trofa. Fizeram-se mais sete revistas, algumas delas já com o cunho de António Moreira, que substituiu Avelino Dias de Sá na encenação do grupo à entrada para o ano 2000. O grupo não viria a resistir às mudanças dos tempos, em que “uns começam a casar e outros a ficarem velhotes”. “A revista leva sempre muita gente e se um faltava era muito difícil emendar”, explicou.
Por entre as diversas atividades espontâneas que desenvolve em várias associações do concelho, António Moreira decidiu criar um grupo musical para levar a música aos mais velhos e carentes e a primeira atuação estava programada para o dia anterior ao falecimento de Avelino Dias de Sá. Quando soube do internamento do amigo, António decidiu adiar a estreia para o seu regresso, mas quis o destino que Avelino Dias de Sá partisse antes da homenagem. No entanto, para António Moreira e para a história do concelho, Avelino Dias de Sá está imortalizado como o pai do teatro na Trofa.
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