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Ano 2012

“(Re)Inserir na Trofa” (c/video)

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O NT conheceu histórias de homens e mulheres que lutam, diariamente, para se reintegrarem na sociedade, após um passado de toxicodependência ou alcoolismo. Cerca de 30 pessoas estão abrangidos pelo projeto da ASAS, “Reinserir na Trofa”.

Muitos são os motivos que levam as pessoas a tornarem-se dependentes de drogas ou álcool. Mas apesar dos obstáculos, o caminho para a recuperação exige a conjugação de dois fatores: determinação e amor-próprio. Domingos Claro contactou pela primeira vez com as drogas leves na tropa. Tinha 22 anos. A dependência manifestou-se mais tarde, já casado e com negócio profissional estável. Em pouco tempo, o vício da droga quase lhe
arruinou a vida. No labirinto das substâncias psicotrópicas, Domingos perdeu-se dos filhos e da esposa…e quase os perdeu de vez.

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Confessa que “enquanto se tem dinheiro, ‘tá-se bem, matase a ressaca e volta-se a consumir”. O problema surge quando falta o sustento: “Começa-se a pedir e a enganar toda a gente. Primeiro a família, depois os amigos e terceiros”. Apesar de ter consciência que as memórias ajudam a ultrapassar o problema, às vezes, preferia não ter que se lembrar de algumas atitudes que tomou para alimentar o vício. Quanto ao dinheiro que gastou em droga “dava para comprar um Ferrari”, assegura, perante o assentimento da mulher.

Apesar do desgosto, Natália Claro nunca desistiu de apoiar o marido, mesmo quando não tinha ninguém do seu lado. Ultrapassou o obstáculo do preconceito, incluindo o da própria família. A filha mais velha do casal era “discriminada na escola” e nesse ano “quase reprovava”. “Eu não tive coragem de ir lá falar com a professora, porque era muito difícil falar daquilo”, admitiu. “A luta foi muito difícil”, relembra Natália, que esteve a braços com uma depressão. Fez “das tripas coração” para ajudar o marido, apesar da sua recaída nas drogas e, apesar de a ter sentido como “uma traição”, tem noção que se explica pelo facto de Domingos “não ter arranjado trabalho”.

A filha “foi uma das pessoas que mais sofreu” neste processo e na recaída do pai, também deixou de acreditar. Apenas Natália continuou a alimentar a esperança. Porquê? “Porque gostava dele. Acho que o amor pode tudo e este homem não merecia que lhe virasse as costas”, desabafa. Nas histórias de vida de pessoas que entram no mundo da droga, as motivações são diferentes, os contextos multiplicamse. 

A de Alfredo Ferreira distancia-se da de Domingos Claro. Apesar de ter 32 anos, Alfredo conhece muito da vida. Vítima de violência doméstica, começou a consumir aos 17 anos. Os trilhos sinuosos da dependência levaram-no a fazer loucuras e a perder de vista dois filhos. Ao contrário de Domingos, esteve sozinho na luta contra a droga. “Ainda há um tempo tive uma conversa com o meu padrinho, em que questionei o porquê de não ter puxado de uma cadeira e de me ter perguntado o porquê de me ter metido na droga”, atira. Alfredo sempre foi de drogas leves. Começou a fumar “haxixe e erva” com os colegas, mas, em meio ano, o vício fez com que a frequência de consumir ao fim de semana passasse para um hábito de todos os dias. Até que, um dia, Alfredo sentiu que se tinha que tratar. “Deu-me um flash na cabeça e decidi de repente. Eu estava a afundar-me”, recorda.

Estes homens travaram lutas diferentes, mas o destino tratou de os unir para a última etapa da sua recuperação. A Trofa foi um dos concelhos diagnosticados como uma área lacunar da prevenção na reinserção social. Para responder a esta necessidade, a Associação de Solidariedade e Ação Social lançou o projeto “Reinserir na Trofa”, no âmbito de uma candidatura ao Instituto das Drogas e Toxicodependentes. 

De acordo com Natércia Rodrigues, educadora social, este projeto tem como principal objetivo “apoiar na reinserção e na reintegração pessoal e profissional dos doentes que já estão numa fase de tratamento e que precisam do apoio para dar o passo seguinte na sua efetiva reinserção pessoal e profissional”. O trabalho desta instituição passa pela “dinamização de diversas atividades lúdico-recreativas e ao nível da terapia, com o objetivo de dotar os participantes de competências perdidas devido aos consumos para que reaprendam, pois com elas é mais fácil a integração social”.

De entre as atividades, a ASAS possibilita todas as semanas aulas de hidroginástica, ao abrigo de um protocolo assinado com a Academia Municipal Aquaplace. Estas aulas permitem “trabalhar competências pessoais e sociais, trabalhar regras, trabalhar o espírito de grupo, a amizade e o convívio”. O grupo une-se também num dia da semana para almoçar em conjunto. Aqui não há só a confraternização, mas também o cumprimento de regras: “Há quem arrume a cozinha, quem faça o almoço e as sobremesas”.

Existe também as reuniões de autoajuda do grupo, em que os ex-dependentes conversam entre si e partilham experiências, dificuldades, frustrações. “Há desafios que eles têm, diariamente, e este grupo é uma forma de se defenderem perante situações adversas”, sublinhou Natércia Rodrigues.

Maria João Oliveira, assistente social, sublinha que “há um momento importante para a equipa”, que é a “avaliação diagnóstica”, que “define e negocia com o utilizador o plano de intervenção”. “Há uma discussão entre o psicólogo, a assistente e a educadora social, em que se define o contributo de cada um, para que o plano de inserção seja o mais sistémico possível”, explicou. Neste processo de reinserção, inicia-se também um processo de avaliação diagnóstica no contexto domiciliar para “perceber o percurso do utilizador, em que redes se insere, para se definir as ações que melhorem a sua qualidade de vida”.

Projeto termina em 2013

A dependência manifesta-se de várias formas e se a droga tem sentença pesada na sociedade, já o álcool, apesar de banalizado, é um dos vícios mais difíceis de combater, ainda para mais estando facilmente disponível. É a chamada droga legal… No entanto, há quem consiga levantar o troféu da batalha que travou contra este vício, como o José António Sá. Começou a beber “para esquecer” os “problemas em casa”, que resultaram no divórcio.

Em casa da mãe, depois de ajudar no quintal, lá ia ao café, fumar um cigarro e beber um copo, que puxava sempre outro e outro. “Às vezes, perdia-me com os meus colegas. Mesmo que não quisesse beber, acabava com o copo na mão”, conta. Hoje sente-se feliz por integrar o grupo da ASAS, onde é conhecido por ser o elemento mais extrovertido. “Sinto-me bem, ando com a cabeça mais aliviada. Sou mais brincalhão, canto até para distrair os outros. Gosto do convívio”, desabafa. 

José não tem preferência de qual a atividade que mais gosta na ASAS, mas Domingos Claro elege as aulas de hidroginástica como predileta. Já Alfredo sente-se realizado na cozinha e entre as panelas não esquece aqueles que o ajudaram. “Quando andava nas ruas do Porto, ia às carrinhas e lá os voluntários davam-me sandes, leite, sopa. Hoje, é a minha vez de contribuir para alguma coisa”, afiança.

O projeto termina em janeiro de 2013 e ainda não há certezas quanto à possibilidade de renovação. Só a conjuntura económica o dirá…no entanto, a psicóloga sublinha a importância deste trabalho: “Esta não é uma área muito fácil, porque estamos diante de pessoas adultas, com autonomia e responsabilidade, é muito difícil convencer as pessoas de que este trabalho é importante. Se formos avaliar o processo individual de cada um, toda a gente tem um motivo para estar nesta vida, nestas dificuldades e se as pessoas ou entidades que possam apoiar este tipo de projetos, se tentarem avaliar a história de cada um, já digo de três ou quatro conseguem perceber que estas pessoas que precisam de ajuda e são merecedoras dessa ajuda”.

Natália Claro confirma: “Se não fosse a ASAS, penso que ele (Domingos) podia ter-se perdido. Ele aqui continua a terapia, porque precisa de falar e de lidar com a situação. Ainda para mais, esta instituição engloba os miúdos, que já vieram cá e gostaram muito”.

O sentimento de que têm que confrontar com o problema da dependência está bem presente nestes três homens. E com ele, também está a esperança de ter uma vida melhor. Domingos Claro não tem medo de viver com as memórias, que lhe dão “força” para “lutar” por si, pelos filhos e pela esposa. Enquanto José António ainda sonha por arranjar um “trabalhito” na área da serralharia, Alfredo lá confessa que “se morresse agora, morria consolado”, porque está limpo. No entanto, lá admite que quer “viver muitos anos”, acompanhando o crescimento do filho, “até ele ter asas e voar”. 

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